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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Meletes x Peduros: uma luta armada entre pessoas da mesma família


Paulo Ludovico

Não sou historiador e nem tenho essa pretensão. Mas, li acerca do episódio que entrou para a história como a batalha de Meletes X Peduros, e, pelo que li, o caso é, mais ou menos, como o que se segue. Com a palavra os historiadores de nossa região.


Houve um tempo (para uns, mais romântico, para outros, de difícil sobrevivência), em que as decisões de qualquer comunidade passavam pela vontade dos “coronéis”. Esse período, chamado de “coronelismo”, durou até ali, pelos meados dos anos 30, ainda que pese, nas regiões menos desenvolvidas (o interior do Nordeste brasileiro), ranços desse período permanecerem, até os dias atuais.
Não fugindo à regra, principalmente a das cidades deste nosso lado do País, Vitória da Conquista foi se tornando realidade, sob forte influência dos velhos e poderosos “coronéis”. E foram muitos deles. Teve terra e gado, antes do nome vinha a palavra: “coronel”. Alguns se tornaram intendentes (uma versão antiga dos atuais prefeitos) outros, mesmo sem o exercício de cargos, eram tão respeitados quanto os primeiros. O respeito era pela postura, pelo dinheiro ou, então, pelo cano de um revólver. Segundo a história, o último dos coronéis a assumir o comando do município de Vitória da Conquista, já como prefeito, foi o “coronel” Deraldo Mendes, lá pelos idos de 1932.
Corria o ano de 1912, exercendo o cargo de "intendente" estava o “coronel” José Fernandes de Oliveira Gugé (“coronel” Gugé). Homem dos mais sérios e de pouca "prosa". O gosto pela política estava no sangue, o pai dele, Luiz Fernandes de Oliveira, em 1940, tornou-se presidente do primeiro Conselho Municipal (espécie de Câmara de Vereadores) e, depois, primeiro intendente da Imperial Vila da Vitória. De outro lado, à frente do grupo oposicionista, estava o “coronel” Manoel Emiliano Moreira de Andrade, o “coronel” Maneca Moreira. Homem sisudo, também de poucas (aliás, pouquíssimas) palavras, correto e, diziam, amigo, "até a tampa", de seus amigos. Daqueles amigos “pra incardir ou pra intupir”. O “coronel” Maneca andava sempre armado e, em hipótese alguma, apartava de seu “trabuco” (revólver). Para uns, o revolver era conhecido como “pei, tebei”. Pergunta-se: porque? Explicava-se: você atira, “pei”, aí o cara, “tebei”, no chão, ou seja, “pei-tebei”..
O “coronel” Maneca Moreira era sobrinho da mulher do “coronel” Gugé, dona Janoca (Joana Angélica Santos Fernandes de Oliveira), e, além disso, afilhado do casal, Gugé e Janoca. Considerado a segunda maior fortuna da região, sua quantidade de terra e de gado perdia, apenas, para a fortuna do “coronel” Pompílio Nunes. Dizem que o “coronel” Maneca Moreira é um dos fazendeiros que introduziram o gado Zebu no município.
Os “coronéis” Maneca Moreira e Gugé eram filiados ao Partido Democrático da Bahia, época em que Maneca, chegou a ajudar, financeiramente, ao padrinho, “coronel” Gugé, num de seus raros momentos de dificuldade. Os dois nunca conversaram sobre o fato, a ajuda era sempre através da madrinha, “dona” Janoca.
Com a cisão do partido em Conquista, o grupo liderado pelo “coronel” Gugé se ligou ao chefe de polícia lá da “capita”, lá da “Bahia” (Salvador). Um adendo: minha avó, Olívia Flores, quando se referia a algo em Salvador, dizia sempre: “Lá na Bahia”. Observações à parte, e voltando à história, já o grupo do “coronel” Maneca aderiu a José Joaquim Seabra (JJ Seabra), governador da Bahia, apresentado que fora pelo Juiz de Direito de Conquista, Dr. Antônio José de Araújo.
Aos poucos, tornam-se mais frequentes (agora é assim, sem o trema), as rusgas e desavenças entre participantes dos dois grupos. Como sempre, a oposição faz críticas ao que, no entender dela, não passam de desmandos administrativos. Se uns criticam, outros defendem. Nesse tom, as diferenças só aumentavam. No auge da rivalidade, os dois grupos passam a ser conhecidos como Meletes (grupo da oposição, liderado por Maneca) e Peduros (grupo da situação, liderado por Gugé). Morre o “coronel” Gugé, em agosto de 1918. A coisa piora, pois, o conviver (se é que conviviam) fica difícil sem a figura daquele que era considerado o que põe “panos quentes”, o que alivia. Acreditava-se que os dois grupos ainda não haviam entrado em choque, em face da ligação de parentesco entre os “coronéis” Maneca e Gugé, ainda que em facções opostas. Assume a intendência Leôncio Sátiro dos Santos Silva (Lili), genro do “coronel” Gugé. Permita-me um comentário: “Desde há muito é tudo entre eles e o nepotismo já comia solto”. O velho Sócrates (lá dos tempos remotos) já dizia que “uns nascem para mandar outros nascem para serem mandados”.
As animosidades entre Meletes e Peduros aumentam. A ação de um grupo logo provocava reação no outro. Um forasteiro, Ubirajara Coelho, montou um cinema em Conquista, num galpão existente no Beco da Tesoura (hoje, Alameda Lima Guerra). Sentar, só em bancos e cadeiras levados pelos próprios frequentadores. Olha que situação! Ubirajara se juntou aos Peduros (claro, a situação). O “coronel” Maneca deu a resposta. Construiu o Cine Iris, com 350 cadeiras. Um luxo. O prédio existe até hoje e nele funcionou por muito tempo a Rádio Clube de Conquista (onde fizeram história: Edson Maciel, J Menezes, Gilson Moura, o saudoso Luís Cláudio, etc.).
Chega o ano de 1918, o “coronel” Maneca imprime uns panfletos e distribui na feira livre, que ficava em frente a um prédio de sua propriedade, na Rua Grande, no local onde funcionou em Conquista o Banco Real (hoje é a farmácia de manipulação, A Fórmula e uma casa de comida a quilo). No papel, ele diz que os Meletes não devem pagar impostos ao município. Muitos obedecem e se recusam a cumprir com a obrigação tributária. Lili, o intendente, pede auxílio à polícia, que, por sua vez, não consegue resolver a situação (era briga de gente grande!). Conta a história que vários oficiais, comandantes do destacamento, voltam a Salvador, com medo dos Meletes. O intendente, sem a vocação de líder, embora "comedido e cordial", renuncia ao cargo. Os Peduros reclamam das atitudes do juíz, que estaria, na visão deles, beneficiando aos Meletes.
Assume a Intendência o “coronel” Ascendino dos Santos Melo (“coronel” Dino Correia), que morava numa de suas fazendas, perto de Conquista. O destacamento de polícia já não mais obedecia às ordens de seu comandante. Os soldados passam a promover arruaças. Tomando conhecimento do que acontecia, o “coronel” Dino chega à sede do município, depois de arrebanhar armas, grande quantidade de munição e voluntários, que aderem aos Peduros: "mais de trezentos" afirmava Pedro Moreira, filho do “coronel” Maneca Moreira e pai da professora Maria Celeste Moreira Cavalcanti (ouvi várias vezes essa história contada por ele, em algumas tardes de sábado, na casa de Dona Celeste Cavalcanti, onde jogávamos sinuca). Os dois grupos começam a dar as ordens e a justiça passa a ser feita de acordo com as próprias conveniências. Os Peduros querem a renúncia do juiz. Os Meletes "dão a testa". A luta armada é inevitável. Na Rua Grande, os tiros começam a ecoar na manhã de 19 de janeiro de 1919. Os Meletes montam seu quartel general no sobrado de Paulino Fernandes (demolido para a construção da atual agência do Banco do Brasil). O sobrado foi também sede do Clube Lux, do jornal "A Palavra" e, agora, trincheira para o grupo do “coronel” Maneca Moreira. O tiroteio avança por todo o dia. Morrem muitos jagunços dos Peduros. Do lado dos Meletes, morre o fazendeiro Teotônio Andrade. O tiroteio continua, bala “zunia” de um lado e de outro (um prato cheio pra diretor de filme de “bang-bang””). Os Meletes, em menor número, já não têm o mesmo ânimo, ainda assim, bravamente (dizem) resistem. Sem que ninguém esperasse, surge na Praça 15 de novembro (antes Rua Grande e hoje Barão do Rio Branco), local do tiroteio, um grupo de senhoras – entre outras, Laudicéia Gusmão, Henriqueta Prates e Fulô Roxa - que exige o fim da luta. Tem início as negociações. Participam dela o Dr. Crescêncio Silveira, Dr. Nicanor Ferreira, Agripino Borges, José Maximiliano Fernandes, e o coronel Deraldo Mendes (representante dos Peduros). No final, o juiz volta para Salvador. O coronel Maneca entrega as armas e parte com todos os familiares para a sua fazenda, a Graciosa, passando, depois, a residir em Poções, onde, mais tarde, veio a ser prefeito por duas vezes (uma nomeado e outra eleito pelo povo). O coronel Dino Correia assume, de vez, a Intendência de Conquista.
Esse foi, contam, o episódio que se “sucedeu” na história de Vitória da Conquista e é conhecido como o embate entre Meletes e Peduros.

Fontes históricas
Mulheres Que Fizeram a História de Conquista.- Aníbal Viana
Memória de Pedro Moreira, filho do “coronel” Maneca Moreira


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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Um Flamengo e Bahia, pra lá de inesquecível

Por Paulo Ludovico

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Caros Ernane e Marcelo Andrade, estou de volta. Desta vez, para contar a volta pra casa depois de um Bahia X Flamengo, na Fonte Nova.
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Estávamos no finalzinho da década de 70. Eu morava em Salvador e cursava Engenharia Civil. Começava, também, minha carreira de professor. Ensinava Matemática em várias escolas da capital do Estado. Entre outras, no Curso e Colégio Águia, no Radar, no Curso e Colégio Laser. Minha vida se resumia em estudar e dar aulas. Fazia um ano, mais ou menos, que havia me casado. Algumas vezes, ia a uma academia de judô, fazer exercícios e treinamentos, já que eu era faixa-preta. Hoje, meu filho Thiago é quem se dedica ao judô, no mês de novembro último passou à faixa-preta, 2º dan, isto é, um segundo estágio da faixa-preta.


Praticava judô, mas o esporte que sempre gostei (e gosto) de “apreciar”, a exemplo da maioria do povo brasileiro, é o futebol. Sou flamenguista (aliás, ser flamenguista é uma dádiva), desde a época que o time formava com Marco Aurélio (que depois jogou no Bahia), Murilo, Onça, Manicera e Paulo Henrique, Carlinhos e Nelsinho (depois Liminha) Luis Carlos, Fio Maravilha, Silva e Arilson (esse também jogou no Bahia). Mas o grande Flamengo que vi jogar foi o das décadas de 70/80. Esse time, todos tinham a escalação na ponta da língua: Raul, Leandro, Mozer, Marinho e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Com essa formação (com algumas variações) fomos Campeões Brasileiro (perdi a conta), Campeões da Libertadores e, em 1982, fomos Campeões do Mundo, em Tókyo, 3 a 0 no Liverpool, da Inglaterra, que acabara de ser Campeão Europeu.
Essa história que conto hoje aconteceu no início dos anos 80. Iam jogar, na Fonte Nova, em Salvador, o meu Flamengo e o Bahia, do meu amigo Daniel Nogueira. Não, esse Bahia de 2ª Divisão, mas o poderoso Bahia. Aquela equipe que, entre outras coisas, ostentava, garbosamente, o apelido de Esquadrão de Aço ou de Campeão dos Campeões. Acho até que me lembro da escalação, era assim: Butice (um argentino), Edinho, Sapatão, Roberto Rebouças (depois Zé Augusto) e Washington Luis (substituiu a Romero); Baiaco, Léo Oliveira e Fito Neves; Tirson (que recebeu do radialista Juarez Oliveira, o apelidado de Chiquitinha), Douglas, e um ponta esquerda (já houve isso no futebol) infernal, chamado Jesum. Vi várias vezes BaVis de arrepiar. Vi, também, no finalzinho da década de 70, esse time do Vitória bater, por 1 a 0, o Santos de Pelé e Carlos Alberto Torres, o Capitão do tri de 70. Mário Sérgio, com um drible mágico, deixa o Capita sem “pai e sem mãe”, cruza, com uma perfeição milimétrica, na cabeça de Almiro, que, com um toque certeiro, vence (inapelavelmente, dizia Jorge Cury, saudoso narrador da Rádio Globo) ao goleiro santista. Naquele dia, a Fonte Nova tremeu. Saudosismo à parte, vamos ao Bahia X Flamengo, de nossa história de hoje.
Como era mesmo de se esperar, o Flamengo não tomou conhecimento daquele poderoso Bahia, que no banco de reservas tinha, entre outros, o cabeça de área Paulo Rodrigues, o meio campo Emo e o atacante Beijoca. Flamengo 3, Bahia 0, os três gols, de Zico. Na saída, perto da meia noite (acho que era umas onze e meia), querendo ganhar tempo, subi a ladeira da Fonte Nova, pra “pegar” o ônibus na Praça da Sé (uma espécie de Lauro de Freitas em Conquista, de onde partiam os ônibus para os bairros). Seria uma meia hora de caminhada, tudo para ir sentado, já que da Fonte Nova, no Centro da cidade, até onde eu morava, no Largo de Amaralina, seriam, no máximo, uns 40 minutos de ônibus. Havia andado uns 4 minutos, quando avistei um ônibus que trazia, na bandeira, como indicação do trajeto, Praça da Sé, Pituba, via Fonte Nova. “Esse é o meu ônibus’, pensei com alegria, pois me evitaria uma caminhada até o terminal de ônibus. Olhando “de cá de baixo” o ônibus estava vazio. Ao passar por mim, o motorista, com uma estranha compreensão, aliviou o pé, o suficiente para que eu entrasse no “mardito”. Não tinha lugar para se sentar, estava tudo tomado. Em pé, só eu. Mas, à medida que se aproximava da Fonte Nova, fiquei com a impressão de que havia entrado (invadido) no coletivo toda a torcida do Bahia. Novamente, pensei: “Ainda bem que, na última hora, resolvi não vestir a camisa do Flamengo”. Quando não cabia ninguém mais, avistamos (já passando pela ladeira da Fonte Nova) metade da charanga do Bahia, que também, nos pareceu, com o propósito de entrar naquele ônibus. E, pra minha infelicidade, entrou. Todos e com seus instrumentos: cornetas, tamboris, timbaus e os “cambaus”. E já chagaram fazendo o maior barulho. Os que estavam no interior do ônibus (só não eu) queriam, a todo custo, mostrara que eram exímios sambistas. Em alguns dele, cheguei a pensar que a cabeça iria se descolar do pescoço. O calor, que já era ‘escaldante”, ficou mais ainda. O deserto do Saara, ao meio dia, seria ar condicionado. Num determinado momento, do teto do ônibus, começaram a cair uns pingos, parecia uma espécie de panela de pressão, com a tampa toda suada, tal era o calor. Mais uma vez pensei: “Meu Deus! Até o ônibus está suando”. Meia hora depois, havíamos andado menos de 1 quilômetro (em volta do dique), o engarrafamento era gigantesco. Os rapazes (uns 10) que estavam perto de mim pareciam ter 2 metros de altura, cada um (por um momento pensei se tratar de um time de basquete americano). Era cada “guarda roupa”! De repente, ouvi um espirro, vindo de perto do chão. Tratava-se de um anão que, inadvertidamente, ousou entrar naquele local. O rosto dele estava a centímetros (milímetros eu diria) da região glútea daquele gigantesco afro-descendente. Talvez, o pequenino homem tenha sentido os desagradáveis efeitos dos acarajés ou abarás (5 ou 6), devorados no intervalo da partida. É que o espirro do anão se fez seguir de uma cara pra lá de feia (aquela cara que fazemos quando a coisa não cheira bem). Se não fosse o calor (que já deixava a roupa grudada no corpo) e o mal estar, teria rido à vontade pela difícil situação (e posição) daquele pobre anão. Ele, ainda que desesperadamente tentasse, não conseguiu sair daquele incômodo lugar, tal era o aglomerado de torcedores, sarados (para desespero de alguns, inclusive o meu), trajando só bermudas. Do corpo de cada um deles, escorriam “cachoeiras” de suor. A partir de um determinado momento, e durou quase a viagem inteira, entre eu e um daqueles jovens, só a minha camisa (impregnada de suor, meu e dele). Para minha sorte (e graças a Deus), nós estávamos de costas um para o outro. Até hoje, não sei como consegui me deslocar pra perto da porta de saída (que naquele tempo era, a da frente). É que nesse deslocar percebi que meus pés estavam a alguns centímetros do chão (um palmo, talvez). Ou seja, fui literalmente carregado por aquele povo, que no meu entender já se tratava de multidão. Isto é, memo que eu não quisesse ir, fui. De repente, um passageiro que ia descer (aliás, infelizmente, um dos dois únicos que desceram, antes do meu ponto, em Amaralina) disse: “Motorista, pare o coletivo que vai descer um viado”. Já no chão, gritou: “Leve os outros”. A gargalhada no ônibus só não foi geral por que eu, tamanho era o desespero, não esbocei a menor expressão que lembrasse riso.
Esse sofrimento já durava uma hora e meia e estávamos longe de casa. Ah! O anão? Nunca mais o vi, nem depois daquele espirro. O segundo e último passageiro que desceu antes de mim, tratava-se de um cara alto e magro (tão magro que conseguiria, se tentasse, passar entre um e outro passageiro). Só que ele não fez isso, passou por cima de todos e com uma cara de sofrimento de dar dó. E lá se foi ele, como se estivesse nadando (juro que foi verdade!). Naquela altura, nem os 3 a 0 do Flamengo deixavam-me alegre. Só não chorei, com vergonha. Acredite, era pouco mais de uma da manhã, quando consegui chegar ao meu destino. Ao descer, tirei a camisa, e sem desabotoar, isto é, arranquei-a encharcada de suor (meu e daquele afro descendente gigantesco), e a joguei fora. “Ainda bem, pensei mais uma vez, que não era a do Flamengo”. Naquela época, não havia celular, por isso, quando cheguei em casa, tive de acalmar minha mulher, que sofria preocupada. Aliás, sofremos os dois, eu pela infeliz idéia de “pegar” aquele ônibus, ela, pela minha demora de chegar em casa. Depois disso, fui a alguns jogos na Fonte Nova, do próprio Flamengo e de BaVis (pelo campeonato Baiano e Brasileiro). A todos eles, ia de carro, ônibus, nunca mais, só se fosse louco ou, então, se tivesse a memória curta. O certo é que, hoje, prefiro ver os jogos pela TV (além de tudo, tem replay dos lances importantes).
Aqui, no “Lomantão” fui ver, no ano passado, Vitória da Conquista X Vitória. Na entrada, o tumulto foi tão grande (chegamos, eu e Joseval da Cofet, na hora do jogo), que pensei em desistir, lembrando-me do suplício que foi a volta pra casa, depois daquele Bahia X Flamengo.



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quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A carteira e os perus


Paulo Ludovico

Essa, dizem, aconteceu com “seu” Jovelino, homem de muitas posses e bastante conhecido em Conquista. Ele foi pecuarista, com grande quantidade de terras na região de Itambé. A fazenda do homem era "um mundo véi de terra", dizia um "caboco". Jovelino tinha mais boi no pasto do que Itambé tinha de gente.


Pois a história é assim: Numa bela manhã qualquer de um dia qualquer, o "seu" Jovelino saiu pro costumeiro bate-papo, ali na Praça Barão do Rio Branco. Aliás, diga-se de passagem, muita coisa acontece em Conquista, justamente na Praça Barão do Rio Branco. Ali tem de tudo, se vende, se compra, se faz negócios. Na praça é contada a vida da cidade, se sabe do proceder de todos. Quem casou, quem largou, quem juntou, quem "inricou" e quem “quebrou”. Ali dá de tudo.
Mas a Praça não é só isso, lá os velhos amigos se encontram pra falar de suas venturas, desventuras e, também, das aventuras. E quanto deu o café? A arroba do boi gordo, como está? Tem também aquele que fala dos casos amorosos da noite anterior. Um amigo conta que em companhia de uma mulher, “cobiçadísima” pela turma do mal, ouvira dela o seguinte, já num avançado bate papo “motelesco”:
- Por favor não comente sobre esse nosso caso com ninguém.
Ele, imediatamente, responde:
- Epa! Se é assim, vista-se, pois não vai haver nada entre nós. E emendou em seguida:
- O bom vai ser os curtir a cara de inveja de meus amigos quando eu comentar que saímos.
Até hoje ele não conta o final da história (ou seria estória?)
Mas, voltemos pro rumo de nossa conversa. Foi justamente na Barão do Rio Branco onde estava "seu" Jovelino. Conversa vai, conversa vem e, de repente, o homem leva a mão ao bolso e descobre que havia deixado a carteira de dinheiro em casa. Inadvertidamente, comenta o esquecimento na roda de amigos. O desabafo foi alto, o suficiente para ser ouvido por dois malandros que, naquele exato momento, passavam por ali. Os dois, descobrindo de quem se tratava, descobriram o endereço e armaram o golpe. Foram à feira livre, que naqueles tempos idos funcionava onde hoje é o Mercadão, na Praça da Bandeira, e adquiriram dois perus gordos e bonitos. Daqueles próprios para morrerem em véspera de Natal. Um dos malandros (o outro ficou escondido) chegou à casa de "seu" Jovelino e disse logo a uma senhora que aparecera para abrir a porta:
- "Seu" Jovelino comprou esses dois perus e pediu pra mandar a carteira dele pra fazer o pagamento.
Inocente, a mulher recebeu a "mercadoria" e entregou ao malandro a carteira do homem, cheinha de dinheiro e daquelas notas mais graúdas (naquele tempo não era comum deixar dinheiro em banco). Quando "seu" Jovelino, já em casa, tomou conhecimento da história, foi ao desespero. Saiu de imediato à procura do gatuno. Passado uns 20 minutos, o outro malandro (o que havia se escondido) vai à casa de "seu" Jovelino e diz, à mesma senhora que atendera seu comparsa da vez anterior:
- "Seu" Jovelino mandou dizer que encontrou o malandro que enganou a senhora. Ele está na delegacia "dando" queixa e pede pra mandar os perus, que é pra mostrar lá pro "seu" delegado.
Recebendo os gigantescos "penosos", o gatuno deu no pé sem deixar rastros.
Os mais antigos juram ser verdade esse "causo". Há, até, quem afirme ter ajudado "seu" Jovelino (sem a carteira e sem os perus), dias e dias, a procurar, em vão, os dois vigaristas

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sunga trocada


Paulo Ludovico

"Eta tempo bom aquele, sô!" São muitos os momentos que merecem uma referência dessas. E se formos realmente relembrar, certamente bons tempos de nossas vidas passamos entre os tantos amigos que fizemos na escola. Alguns desses amigos caminham juntos por muitos e muitos anos, outros se perdem na trajetória da vida. Tenho muitas saudades de tantos que vi pela vez última nos tempos da escola, lá num tempo bem longe, quando tínhamos um técnico bom na Seleção Brasileira. Dunga é demais pra meu coração. Cá pra nós, Maicom (é assim que se escreve?) de lateral direito ... é dose! Mas, isso nada tem a ver com nosso caso. Há ainda aqueles que embora se percam no "tracejar" da labuta diária, terminam se encontrando numa curva adiante. Nesse caso, existem muitos, como o Dr. Júlio César, que vai, novamente, protagonizar o nosso caso (ou causo) de hoje. Aconteceu no inesquecível Colégio Batista Conquistense (ficava ali onde funcionou a Real Madeireira, na Siqueira Campos).



Um dos maiores diretores de escola particular que tive a oportunidade de conhecer foi o Dr. Jesiel Norberto (de saudosa memória), pai do querido colega daqueles tempos de Colégio Batista, o Paulo Roberto. Dr. Jesiel, como nós todos, seus alunos, costumávamos chamar, era esposo da ex-vereadora Helita Figueira. Não conheço um só integrante daqueles tempos do Colégio Batista, que não guarde, até hoje, uma admiração profunda por Dr. Jesiel. Enérgico quando precisava ser, carinhoso, na maioria da vezes, e conselheiro sempre. "Um segundo pai", dizia o saudoso Adson Vilas Boas, também aluno do Batista naquela época.
Dr. Jesiel tinha verdadeira adoração pelo Colégio Batista. Gostava de música e realizou um seu sonho à frente da escola: formar entre os próprios alunos uma Banda Marcial. Tenho o maior orgulho de ter participado dela. O diretor trouxe do Espírito Santo, da Banda de Fuzileiros Navais da Marinha Brasileira, o maestro Taveira. Ele ensinou “tudinho” pra nós. Evoluções de cada instrumento, o que cada um deles significava no conjunto, dobrados especiais (vários deles). Treinávamos todos os dias (pra não fazer feio). E chegou a grande data. Sete de setembro. A Banda Marcial do Colégio Batista estava prontinha pra ir às ruas da cidade. E foi. Um sucesso total. Todos nós tocamos como nunca naquele dia. Lembro de alguns colegas que participaram daquela Banda Marcial: Simone Lacerda (hoje advogada), Stênio Bonfim (filho de Honorino do cartório), Martinha (irmã de Naldo, que jogou no Conquista), Adson Vilas Boas (foi Secretário de Turismo de Conquista), Paulo Roberto (filho do Dr. Jesiel), Reginaldo, bom de futebol de salão, que se mudou pra Salvador, Ariovaldo Fernandes (o "Nem Pancinha") e, entre outros, Júlio César Silva Santos, o advogado Júlio César.
A Banda do Batista cresceu tanto que sua fama extrapolou fronteiras (de Conquista, é claro). Havíamos acabado de tocar em Nova Canaã, e o Dr. Jesiel acertou pra tocarmos numa data festiva em Jequié, acho que num mês de outubro, aniversário da cidade. Isso deve ter sido em 71 ou 72. Dois ônibus saíram de Conquista levando todos nós. Em toda a viagem fizemos uma algazarra só, muita coisa boa pra se lembrar. Chegamos ao nosso destino, no finalzinho da tarde. Íamos ficar alojados na AABB. Era tudo o que queríamos, afinal, Conquista com aquele frio de lascar, e Jequié aquele “calorzão” de 40 graus. A AABB certamente deveria ter uma piscina. E tinha. Chegamos, descemos com nossa bagagem (os instrumentos ficaram no bagageiro do ônibus), nos alojamos e depois, é claro, todos dentro da piscina. Inclusive Júlio César (o nosso artista de hoje, velho Flamenguista, aquele mesmo, de outra crônica, que conseguiu tirar uma foto junto com Zico). Pois bem, Júlio César, brincalhão como ele só (até hoje), teve uma idéia, ao ver um de nossos colegas passar com uma sunga branca de bolinhas azuis. Já era umas cinco e meia pra seis horas da tarde quando Júlio, ao meu lado, vê aquela sunguinha branca de bolinhas azuis passar nadando (duas bolinhas redondas acima do nível d'água) a cabeça ia meio mergulhada. E Júlio não teve dó: passou a mão, dedo e tudo na região glútea de nosso colega. Certamente mergulhamos, mas não sem antes ver o Dr. Jesiel (que também usava uma sunga branca de bolinhas azuis), assustadíssimo, interromper o seu nado e ficar procurando qual de nós ousara brincar com ele daquele jeito. Naquele dia, em Jequié, Júlio César certamente bateu o recorde mundial de permanência embaixo d'água. E quando subiu à tona pra respirar, estava do outro lado da piscina, 20 metros distante. Dr, Josiel nunca conseguiu descobrir quem passara a mão na sua retaguarda, digamos assim.

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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Tropeçando na cortesia


Paulo Ludovico

Há certos dias, na vida de cada um, que melhor seria se não houvesse existido. Quem nunca disse: "Hoje as coisas não estão dando certo, parece até que acordei com o pé esquerdo". Ou, então, como diz alguém que conheço: "Não acerto uma hoje, parece até que pisei em rastro de corno".


O dia, que nunca deveria ter existido na vida de alguém, é um daqueles em que tudo começa dando errado. Numa situação hipotética, logo de manhã, falta água para escovar os dentes. O café não está pronto, é que acabou o gás. Chegar ao trabalho, só se pegar táxi, o carro amanheceu com dois dos pneus furados. Lá pelo meio-dia, de volta pra casa, a difícil tarefa de encarar dez andares de escada, o elevador enguiçou. E o dia vai assim, nada dando certo. À noite, em casa, preliminarmente tudo bem, mas, "nos finarmente", nem uma caixa inteira de "Viagra" resolveria o problema. E, de "cabeça baixa", o melhor é dormir e esquecer, afinal, aquele foi um dia que não deveria mesmo ter acontecido. E é justamente sobre um dia assim que vamos contar essa história. Um dia que não deveria ter acontecido na vida de “dona Detinha”, esposa do ex-prefeito, ex-governador da Bahia e ex-senador, Lomanto Júnior (aliás ele já foi prefeito de Jequié por três vezes).
Pois muito bem, pessoa das mais conhecidas e queridas na cidade, “dona Detinha”, sempre, ajudou os necessitados. No último mandato de Lomanto, por exemplo, ela, como Secretária do Bem-Estar Social, não parou de trabalhar em prol dos mais carentes. Crianças, mulheres, idosos, pais de família, comunidades inteiras, é difícil de se encontrar alguém da periferia de Jequié que não tenha sido beneficiado pela mão caridosa daquela senhora. Aliás, amor por Jequié e pelas coisas de Jequié, maior que o de “dona Detinha”, é impossível. Muitos comentam na cidade que fazer feira aos sábados sempre foi, pra dona Detinha, uma verdadeira festa. Ali, ela passava quase o dia inteiro, fazendo as compras da semana e "proseando" com barraqueiros e feirantes. A identidade com o povo era tanta que, dizem, se candidatasse a prefeita da Cidade Sol, não haveria chapa adversária. Quem seria maluco de concorrer com “dona Detinha”? Fisicamente, ela se assemelha com aquelas "mamas" italianas. Aliás, não é só fisicamente não, quando trabalhei na TV Sudoeste (de 1990 a 1995), tive a oportunidade de almoçar, por mais de uma vez, com Lomanto Júnior. O velho político, estalando a língua, não se cansava de elogiar as qualidades culinárias da esposa: "A macarronada de Detinha é uma maravilha. Não tem igual", afirmação feita mais de uma vez pelo ex-senador da República.
E o dia a dia de “dona Detinha” vai acontecendo sem nada de novo. Fora os preparativos para as comemorações da inauguração do Poliduto da Petrobras, tudo caminhava dentro da rotina. Aliás, por falar na inauguração, as coisas tinham de sair, dentro do planejado. Iria participar da festa muita gente importante. O senador Antônio Carlos Magalhães, o governador Paulo Souto (na época era ele) e até o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Chega o grande dia. O povo, aos empurrões, se aglomera para presenciar a festança. E lá vem a comitiva: Lomanto, FHC, ACM, Paulo Souto, político de tudo quanto é lado e, caminhando tranqüilamente, a nossa querida “dona Detinha”, com seus mais de cem quilos de bondade. De repente, já chegando ao galpão da Petrobrás, “dona Detinha” escorrega, ameaça cair, bate em um, esbarra em outro, segura dali, agarra daqui e é aquele maior "salseiro", até que, num esforço supremo, ela consegue se equilibrar. Ainda assim, não evita que se quebre o salto de um dos sapatos. Alguém do povo, que, com certeza, no passado teria sido beneficiado pela mão generosa daquela mulher, ajoelha-se, agarra a perna dela e arranca o sapato. Como se tivesse de posse de um troféu, o homem sai em desenfreada carreira. Vinte minutos se passaram. Já instalada na mesa das autoridades e ainda suando pelo esforço em ter que andar na ponta de um dos pés, pela falta do salto, “dona Detinha” começa a se perguntar por onde andaria o seu sapato. O pensamento ainda lhe povoa a mente, quando, ela vê, no fundo do galpão, alguém, aos pulos, balançando um sapato. Aos empurrões, o "sapateiro" vai abrindo caminho e, explicando do que se trata, consegue, com a permissão dos seguranças, chegar até onde se encontrava “dona Detinha”. Sob os olhares curiosos dos componentes da mesa e de todos que participavam do evento, o homem coloca o sapato no seu devido lugar, ou seja, no pé de “dona Detinha”, que, extremamente desconcertada e sem jeito, agradece:
- Muito obrigada, moço. Mais tarde acerto com você.
O homem, com um sorriso vitorioso e querendo mostrar intimidade com aquela mulher admirada por todos e para espanto dos componentes da mesa, responde:
- Vá se f..., “dona Detinha”. A senhora acha que vou cobrar, só pra colar esse saltinho no sapato da senhora?

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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Beleza de Vitória da Conquista


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sábado, 8 de novembro de 2008

A procura por riquezas e a luta contra os índios marcam o início de Vitória da Conquista


Paulo Ludovico

Da maneira idêntica à da maioria das cidades que nasceram na época do Império, Vitória da Conquista surge, também, da necessidade do homem em buscar riquezas. Aos movimentos, que ficaram conhecidos como Entradas e Bandeiras, cabiam o papel de explorar as riquezas naturais de regiões...

, nunca antes penetradas pela civilização. Uma dessas Bandeiras, a de João da Silva Guimarães, por ordens expressas do rei de Portugal, D. João IV, sai do norte de Minas Gerais, com o objetivo de descobrir pedras preciosas e novas minas de ouro. É que, segundo relatos, a produção aurífera mineira e do Rio Pardo já não apresentavam os resultados satisfatórios de outrora. No ano de 1772, o desbravador João da Silva Guimarães, depois de vitórias na região do Rio Pardo, contra os índios Pataxós e Botocudos, chega ao território do atual município de Conquista, onde, em companhia de seu genro, João Gonçalves da Costa, trava intensa batalha contra os índios Imborés e Mongoiós, esse últimos, conhecidos também como Camacans. Vários são os locais onde acontecem violentos combates, um deles, até hoje, é conhecido pelo nome de Batalha. Em outro combate, acontecido 20 anos antes da chegada do bandeirante ao atual município de Conquista, em 1752, relata a história, que os soldados brancos já se deixavam abater, por serem em menor número que os guerreiros indígenas. Percebendo isso, lá pela madrugada, João da Silva Guimarães provoca os brios de seus homens ao invocar a proteção de Nossa Senhora das Vitórias. Com novo ânimo, os saldados investem contra os índios, numa luta corpo a corpo, utilizando-se de armas brancas, facões, espadas e armas artesanais, fabricadas com madeira e bambus. A vitória final é alcançada na própria aldeia indígena, local aonde veio a ser construída a Praça da República, hoje Praça Tancredo Neves.
A vitória definitiva se completa no começo da década de 1780. D. João, Príncipe Regente, concede uma parte do terreno conquistado, ao bandeirante João da Silva Guimarães. Mas essa doação refere-se apenas às áreas do semi-árido, posto que, a Região da Mata e da Mata de Cipó eram de propriedade da coroa portuguesa.
Após a vitória, o mestre de campo João da Silva Guimarães retorna para suas terras, em Minas Novas. O governo da região conquistada fica a cargo de seu genro João Gonçalves da Costa, nomeado Capitão da Conquista, e de seus filhos, Antônio Dias de Miranda e Raimundo Gonçalves da Costa. Com o aval da Coroa Portuguesa, o novo comandante do lugar inicia a sua colonização, abrindo várias estradas, para o interior, além de ligar o sertão ao litoral de Ilhéus.
Aos poucos, durante a colonização, as tribos iam sendo dizimadas, ora pelo poder das armas, ora pela ação de doenças contagiosas. Um dos episódios mais negros daquela época é conhecido como "Banquete da Morte". A chacina é promovida pelo bandeirante João Gonçalves da Costa, que, convida os índios para uma festa, embriaga-os e, enquanto os selvagens se divertem, são fria e brutalmente assassinados.
Atribui-se ao coronel João Gonçalves da Costa e a um grupo composto de cerca de 60 pessoas, lá pelos idos de 1870, a construção das primeiras casas do Arraial da Conquista. Mas, só em 1803 inicia-se a construção da capela, sob a invocação divina de Nossa Senhora das Vitórias.
Alguns anos depois, já corria o ano de 1806, João Gonçalves da Costa, que houvera recebido o título de Coronel de Milícia, e seus familiares, cumprindo a promessa de João da Silva Guimarães, terminam de erguer a capela dedicada à Nossa Senhora das Vitórias, trazendo com ela a criação definitiva do Arraial da Conquista, também com o nome de Arraial da Vitória. Assim, nascem as primeiras edificações da cidade de Vitória da Conquista, em volta da primeira construção da Capela de Nossa Senhora das Vitórias, que ficava exatamente no meio da atual Praça Tancredo Neves.
Sem policiamento, bebedeiras e distúrbios freqüentes, provocados por trabalhadores rurais e desocupados, passam a fazer parte do lugar. Tais ocorrências só contribuíam para denegrir a fama do Arraial, perante as pessoas que viviam nas fazendas nos arredores. Já a partir de 1816 e com mais intensidade depois de 1820, o Arraial começa a se desenvolver com maior rapidez, a ponto de seus moradores passarem a reclamar por uma autonomia política. Eles queriam desgarrar-se da subordinação ao município de Caetité. Em 19 de maio de 1840, a Lei Provincial número 124, concede a autonomia pleiteada, sendo o Arraial da Conquista desligado da Vila do Príncipe de Caetité. A real instalação do Município da Imperial Vila da Vitória, com a posse da primeira Câmara de Vereadores, só acontece no dia 9 de novembro de 1840, data comemorativa do aniversário da cidade. A elevação de Arraial à Vila, trouxe como conseqüência a elevação da Capela de Nossas Senhora das Vitórias à categoria de Freguesia.
Veio a proclamação da República em 15 de novembro de 1888, instalava-se no País o regime republicano, que não aceitava, sob hipótese alguma, qualquer referência à Monarquia, tais como títulos, brasões ou nobreza. Sendo assim, em julho de 1891 a Vila foi elevada à categoria de Cidade, a Imperial Vila da Vitória foi obrigada a mudar de nome e passou a se chamar Cidade de Conquista. Em 1943, de acordo com o Decreto Lei de número 141, passou a se chamar Vitória da Conquista.

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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Como cheguei para morar em Salvador


Paulo Ludovico


Terminado o 2º ano do Segundo Grau, lá pelo ano de 1975, eu e meu irmão, Marcos Ludovico, fomos, em companhia de outros colegas, cursar o 3º ano, em Salvador. Era o 3º ano, com Pré-Vestibular. Ele queria fazer Direito, eu, Engenharia Civil. Até hoje, pergunto-me o porquê (esse acento circunflexo cai, a partir de janeiro, quando entra em vigor a reforma da língua portuguesa). Desde pequeno, respondia: “quando crescer, quero ser Engenheiro Civil”. O certo era que iríamos para a civilização, para a capital da Bahia.


Meu pai, apesar dos insistentes convites, não queria que hospedássemos em casa de parentes. Moravam lá, um tio e uns primos nossos. Dizia o velho Ludovico que poderíamos, num final de semana ou outro, almoçar com esse tio (irmão da minha mãe). Mas morar, não! E justificava: “na primeira semana, tudo sairia perfeito, depois as coisas mudariam”. Sempre concordei com ele, ainda que, nas oportunidades em que fomos almoçar com esse tio, éramos muito bem tratados.
Nossa moradia, então, seria num pensionato, de propriedade de uma senhora conquistense, amiga de minha mãe, das reuniões do Centro Espírita Humberto de Campos. O danado do pensionato ficava num edifício de 18 andares, localizado na Rua Areal de Baixo, no Centro de Salvador. Lembro-me como se fosse hoje, ficava no edifício Nossa Senhora de Lourdes, mas, pelo apelido, “Balança mas não cai”, passamos a ter noção de onde iríamos morar. A vantagem é que ficava perto do Colégio Águia, de Supermercados de uma academia de judô (acredite, eu fui faixa preta, e treinei com dois mestres dos melhores Kazuo Yoshida, mundialmente conhecido e Lofei Shiozawa, campeão brasileiro e mundial). Logo na chegada ao edifício, cheio de bagagens, entramos no “playground” daquele monstrengo e nos deparamos com um aviso, “pregado” (com durex), na porta do elevador: “elevador com defeito, use o de serviço”. Seguindo uma seta, entramos por uma porta lateral, e, no elevador de serviço, outro aviso: “Este também está com defeito, use a escada”. Até hoje não sei o porquê dos dois avisos. Seria tão mais fácil um aviso só. Comentei com meu irmão:
- Bela chegada em Salvador, subir ao 15º andar e cheio de malas. Ao que meu irmão respondeu:
- Ainda bem que o pensionato não é no 18º andar. Só olhei, meio atravessado, para ele, sem achar graça alguma (se é que ele fez uma piada).
Balançamos a cabeça, para afugentar maus pensamentos, nada de desespero, afinal, estávamos em Salvador, na capital da Bahia. Vamos à escada, 15 andares pra cima. Começamos a subida. No 6º andar, as pernas doíam e os braços também, afinal eram tantos pacotes. Não era uma escadinha qualquer que iria amedrontar dois conquistenses. Parece que meu irmão lera meus pensamentos, pois, nós dois, olhamos de cara feia para a escada e recomeçamos a subir. Lá pelo 12º andar, já não conseguia mais raciocinar, a sensação era de ter subido uns 30. As pernas já não doíam, é que (há 3 andares, abaixo) não mais as sentia. Depois de algumas paradas (para tomar fôlego) conseguimos, chegamos ao topo, isto é, ao 15º andar. Senti-me como um alpinista, quando consegue escalar os picos mais altos do mundo. Eu e meu irmão arfávamos tanto que só nos olhávamos, não tínhamos fôlego para falar qualquer coisa. Mesmo assim, senti que ele queria me dizer algo, só não conseguia. Depois de colocar a respiração no seu devido tempo, balbuciando, ele conseguiu articular a seguinte pergunta:
- Paulo, trouxemos 6 malas e 4 sacolas, não foi?
Aos poucos, entendi a extensão da pergunta. Contando nossa bagagem, percebi que só havia 4 malas e 3 sacolas. Conclusão: esquecemos 2 malas e 1 sacola na porta do elevador de serviço, 15 andares abaixo. É a velha história, eu deixei pra ele, ele deixou pra mim... O certo é que, ambos chorando de raiva e rezando, fomos buscar o resto da bagagem. Não sei se a reza era para encontrar a bagagem ou se para que alguém a tivesse levado. As duas malas e a sacola estavam lá. Confesso que pensamos em jogá-las no fosso do elevador.
Heroicamente, chegamos novamente ao 15º andar, sãos e salvos. Apertamos a sirene, depois de driblar vários fios desencapados (é isso mesmo, sirene, tal era o barulho da danada). Esperávamos ser recebidos por aquela senhora amável, amiga de minha mãe. Lembrava bem dela, lá pelos meus 12 anos de idade, sempre que me via, em companhia de minha mãe, alisava meu queixo, dizendo: - Dalva, que menino lindo!
Eu já completara 18 anos e sabia que ela não iria me cumprimentar assim. Queria esperar, pra ver. Meu pai dizia: “boi em curral estranho, até as vacas batem nele”. Estávamos num local estranho, não conhecíamos ninguém, não sabia como seria o lugar onde iríamos ficar. Aquela vida nova amedrontava, a nós dois, eu diria. Foi justamente ela (a amiga de minha mãe) quem abriu a porta. Meu irmão, mais afoito (15 anos), abriu os braços, esperando o afago daquela senhora. Chego a dizer que ele até esticou, levemente, o pescoço, para receber aquela costumeira carícia no queixo. De dentro do apartamento, veio a seguinte frase, ao som de uma voz rouca e de poucas amigas:
- Ah! Vocês demoraram. O quarto é ali, disse, apontando para uma porta entreaberta. Virou as costas e sumiu na cozinha. Foi uma decepção tão grande que, até hoje, 33 anos depois, causa-me mal estar.
Mal entramos no quarto e veio novamente aquela senhora, dizendo:
- Estamos sem água e sem gás!
Era tudo que não queríamos ouvir. Depois das duas escaladas naquelas terríveis escadas, suados, naquele calor de Salvador, ficar sem tomar banho, era demais. Foi a primeira, das tantas vezes que sentimos saudades (material) de casa. Achei que faltar água era coisa que só acontecia no interior. O certo é que só fomos tomar banho no finalzinho da tarde, quando a água (que “ia embora” dia sim e outro, não) voltou.
À noite, eu e meu irmão, apesar de cansados, perdemos o sono. Conversamos até alta madrugada, começando a dar razão a meu pai que, ao se despedir de nós, enumerou algumas situações que fariam a gente sentir falta do aconchego de casa e da proteção dos pais. Naquele dia, vivenciamos apenas a primeira dessas situações. Muitas outras vieram, mas são histórias que ficam pra outras oportunidades.

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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A pesca


Paulo Ludovico

Antes de falar do “causo” de hoje, A Pesca, permita-me uma breve explicação. Na crônica da semana passada, quando tratei de um assunto relativo a aspectos comportamentais, recebi, pessoalmente, algumas críticas de amigos. Diziam eles que existiam termos, específicos, do Direito, por exemplo, que tornavam o texto de pouca compreensão para a muitos. Curvando-me ao “puxão de orelha”, retorno ao velho e saboroso “feijão com arroz” (os velhos “causos”), pedindo, aos que me honram com a leitura, a devida vênia para que, de quando em vez, transitar por outros terrenos (como o da semana passada), onde as palavras devam ser mais rebuscadas. Mas vamos falar dessa bendita pesca, objeto da crônica de hoje.


Acho difícil que alguém se esqueça dos tempos de escola. Eu, pelo menos, nunca me esqueço dos meus. Escola de Dona Mariquinha. Foi lá onde tomei contato, pela primeira vez, com o viver em sociedade. Certamente, quem passou pelas mãos de Dona Mariquinha, tem a letra bonita e bem desenhada. Era exigência dela. Tínhamos de escrever com aquela letra bem feita, quase uma obra de arte e “dentro da linha do caderno", dizia a velha mestra. Lembro-me de um colega daquela época: João José, filho de Clínio Almeida e Iolanda Assis, o irmão dele, Clininho, foi outro daqueles tempos.
Ginásio São Tarcísio, não o de hoje (Instituto São Tarcísio), mas o princípio dele. Eram duas salas no fundo da casa dos pais das irmãs Edna (de saudosa memória), Edméa, Ednalva e Ednália. Freqüentei a escola até o último ano ginasial, já na Olívia Flores. Isso em 1971. Não havendo, naquela época, o 2º grau no São Tarcísio, saímos de lá, eu e tantos outros colegas que nunca deixarão de alimentar as minhas lembranças. Perpétua Correia, Fernando e Crésio (filhos de Dr. Fernando Dantas Alves), Pedrinho Moraes, Sandra Ferraz e a bela Gracinha Duarte.
Escola Normal, o IEED, lá comecei o 2º Grau (o científico). Fiz novos amigos, o Pedro Ivo (hoje Psicólogo), Sebastião Ferraz (hoje, médico). Rosália, que trabalhou (ou trabalha) no Sebrae, Hércules, também médico, Ruiderval (esse não sei por onde anda) e Rita Amorim (Ritinha. Casou-se com um pastor de sua própria igreja. Os dois não moram mais em Conquista). Ritinha é tia da advogada Carla Lopes, professora do Curso de Direito da Fainor. Foi uma época de ouro para a Normal. A escola tinha um 2º Grau de respeito (digo tinha, apenas referindo-me à época). O Diretor de então era Dr. Arthur Seixas. Ainda me lembro de alguns professores: Helena Glass, responsável pelo Inglês, Português ficava por conta das professoras Nilda (com quem aprendi muito) e Zélia Chéquer, Matemática, era o velho Zilton (o mesmo do Paulo VI), História ficava por conta da professora Norilde, Física, o padre Guilherme (um holandês que tinha um irmão gêmeo, o padre Henrique), Geografia, o nosso professor era Durval Menezes, e tantos outros.
Veio o 3º ano do Segundo Grau, aí meu amigo, a responsabilidade passou a ser maior, o vestibular se avizinhava, saímos para estudar na capital do Estado. Eu, Luciano Ferraz (Engenheiro Elétrico), Gilson Moura Filho (hoje médico dermatologista), Watson Barros (irmão do advogado Washington Barros), Setímio Orrico, atualmente médico e pecuarista em Itapetinga, Denise Cordier, da cidade de Itabuna, uma ruiva de curvas avantajadas e seios (sempre à mostra) fartos. Esses são alguns dos que saíram do interior para estudar no Colégio Águia, em Salvador.
Chegamos. Fui morar num pensionato (que é cenário de muitos outros causos, que ficam para outro dia). O Colégio Águia. O prédio parecia com aquelas casas mal-assombradas, tipo "A Mansão do Terror", "A Casa Mal Assombrada" e filmes do gênero. A Diretora era uma mulher magra, quase esquelética, feia de doer. A figura se adequava como uma luva ao ambiente, “para bruxa, só faltava a vassoura", diziam alguns alunos. O ambiente era estranho, a pessoas mais se assemelhavam a zumbis. Só se falava em vestibular. Num canto, o assunto só podia ser o índice de aprovação do ano passado, outros já comentavam sobre a relação vaga/número de candidatos. Num corredor, um grupinho apontava o número de pontos necessários para passar no tão temível concurso. Nós, de Conquista, procurávamos sufocar a saudade de casa, enquanto tateávamos à procura do nosso próprio espaço. Havia certo preconceito com “os matutos do interior”. Luciano todo dia chorava, com saudade de seus pais, Nivaldo Torres e Marizete Ferraz (irmã da saudosa Gerúzia Ferraz, da Getur). Assim, nesse clima, começamos a assistir às primeiras aulas no Águia, ali na Praça da Piedade, em Salvador.
Nosso professor de Matemática era o Rubem Soares, que, para surpresa geral, tratava-se de “um conquistense da gema", dizia ele. Era filho do Sr. Neném Soares. "Estamos em casa", pensamos todos. Definindo Rubem Soares. Era aquele tipo de professor com resposta pra tudo (nessa parte, aprendi muito com ele). Criativo como ele só, era o aluno dar a deixa, e o "bicho" mandava de lá, uma resposta. Se o problema era de matemática, o "marvado" inventava logo um artifício (uma espécie de jeitinho pra resolver a questão de uma forma mais fácil). Viajado, contador de histórias. Muitas ele inventava, e outras realmente aconteceram. Feio de doer. Usava um “bigodão”, tipo Fernando Sancho (ator mexicano, que atuava em filmes de "bangue-bangue" italiano). Dentes grandes e amarelados, pelo uso excessivo do cigarro. Orgulhava-se, sempre que, valendo-se de artifícios matemáticos, "macetes", como ele mesmo chamava, resolvia uma questão das difíceis. E eram tantos, que o velho Rubem recebera o apelido de "Kid Macetão". Até hoje o "Macetão" é professor de Matemática, e dos bons. Tive notícias de que anda pros lados do Colégio Sartre, em Salvador.
Pois muito bem, a história de hoje é justamente do Kid Macetão, ou melhor, do professor de Matemática, Rubem Soares. Bicho sagaz (bicho no bom sentido, é claro) e inteligente.
Há muito tempo atrás (sempre me indaguei se essa expressão não seria um redundância, claro que "há muito tempo", só pode ser passado, isto é, atrás). Criada a discussão, volto ao enredo de nossa história, que se deu quando Rubem ainda era um adolescente.
Lá estava o filho de seu Neném, preocupado com uma prova que deveria fazer no dia seguinte. Brincara muito e esquecera de estudar a matéria. Fórmulas e mais fórmulas pra decorar. "Um absurdo fazer aquela perversidade com uma criança", chegavam a lamentar algumas mães. Rubem teve uma idéia e resolveu gravar as fórmulas, eram perto de 30. À noite, pegou o livro e "sentou o martelo pra dentro". Em umas folhas de cartolina, escreveu todas. Letra grande e bem redonda. Não tinha jeito e nem podia esquecer qualquer uma daquelas malditas fórmulas. Agora, tudo o que precisava era de uma conveniente “arrumação” com um determinado primo. E assim fez. De volta pra casa, quando o danado bateu na cama, já era de madrugada.
No dia seguinte, já no velho Ginásio de Conquista, o mesmo, do severo Padre Palmeira, lá estava o nosso Kid Macetão (que ainda não tinha esse apelido) prontinho pro exame. E dizia a cada colega:
- Se a prova vier difícil, deixa com o papai aqui. Fórmula é comigo mesmo! Desafiava.
Arrumada a sala de forma estratégica, para que cada aluno não visse a prova do outro, Rubem sentou perto de uma janela. Começa o exame e lá vai o velho Rubem, respondia uma questão, partia pra outra, nem pensava direito e já estava na terceira, a 4ª questão foi moleza, e assim foi. No rosto, um sorriso de deboche, de quem domina a situação, afinal, todo esforço da noite anterior valera a pena.
O velho professor, sentado em sua carteira, fiscalizava tudo. Aluno pescar? “Só se for com outro, comigo, não”, pensava. Dali de onde estava, tinha amplo domínio sobre cada canto do ambiente. Nenhum aluno olhava para a prova do outro, nem aquele menino inquieto, o Rubem Soares, acerca de quem já fora prevenido.
O professor tinha razão, nenhum aluno, nem Rubem, pescou... esse não pescou do colega vizinho. Só que, enquanto viveu, o velho professor nunca descobriu que se tivesse levantado, talvez pudesse ter descoberto que, escondido, sob as folhas de uma das árvores do quintal da escola, o primo de Rubem, a cada sinal previamente combinado, mostrava uma das cartolinas, convenientemente preparadas. Em cada uma delas, escritas em letras agigantadas, cerca de seis fórmulas. Todas, da prova daquele dia, muito bem utilizadas pelo “encapetado” Rubens Soares.


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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Na educação está a verdadeira liberdade do povo


Paulo Ludovico

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Nessa crônica de hoje, deixo de lado os chamados causos (ou seriam contos?), para tratar de um assunto, digamos... mais comportamental. Falo de Educação.
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Ultimamente, o povo brasileiro, ainda que longe do ideal, parece estar mais consciente de seus direitos. E acho que a televisão tem sua importante parcela de colaboração para que isso aconteça. Sei que, em alguns momentos, ela deseduca mais do que educa (essa abordagem fica pra outro dia). Mas, hoje, a maioria dos programas, levados ao ar em nossas tardes, tem um bloco destinado a respostas e informações de questões referentes a direitos. Geralmente, um advogado, responde a indagações, que vêm da própria apresentadora ou do público telespectador. Os esclarecimentos versam sobre vários ramos de nosso ordenamento jurídico, tais como Direito do Consumidor, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito de Família, Direito das Sucessões, esses dois últimos espécies, do gênero Direito Civil.


O Direito Penal toma proporções maiores nas discussões quando nos deparamos com casos bárbaros como o que resultou na morte da menina Isabela Nardoni, ou como esse recente, conhecido como “o Seqüestro de Santo André”, que, tragicamente, acaba com a vida de Eloá Cristina, uma jovem de 15 anos de idade. Esses debates são importantes na medida em que informam ao cidadão de que ele é um sujeito de direitos, mas, também, sujeito de obrigações, que deve respeitar o regramento do viver em sociedade.
Sempre ouvi a expressão: “o seu direito vai até onde começa o meu”. Chego a dizer que discordo desse pensamento. Analisando-o mais detalhadamente, conclui-se que, se um direito vai até onde começa o outro, são direitos, que não tendo o mesmo ponto de origem e nem o mesmo ponto de chegada, são, portanto, diferentes, contrariando, assim, ao Princípio da Isonomia (igualdade). Esse princípio infere serem iguais os direitos dos iguais. O certo seria dizer: seus limites vão até onde começam os meus limites. Em relação ao direito, deveria se dizer assim: seu direito, sendo igual ao meu, começa onde começa o meu e vai até onde o meu, também, vai. Dessa forma, os iguais teriam direitos iguais. Não é pretensão dessa digressão aqui analisar a famosa eqüidade de Aristóteles, que diz: para os diferentes, como forma de se fazer justiça, equilibrando a relação, os tratamentos devem ser diferentes. Nesses casos, o direito funcionaria como uma régua maleável que, amoldando-se ao caso concreto, aumentaria a possibilidade de se fazer justiça (essa passa a ser uma questão jurídico-doutrinária, própria para outro momento). Aqui, interessa dizer que é na Educação, onde se encontra a verdadeira libertação de um povo. Instruído o povo, cônscio de seus deveres e de suas obrigações, pode decidir que rumo tomar em seu processo evolutivo, pode escolher, melhor, seus legisladores e seus governantes. Educado, o povo respeita seus limites, sabe onde começa o limite do outro, além de não se deixar levar por falsas promessas. Pode, enfim, entender que suas conquistas sociais são um direito e não favores de quem quer que seja.
Num voto, lá pelo ano de 1965, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Themístocles Cavalcanti, fundamenta seu ponto de vista com uma propriedade ímpar, que se perdurará através dos tempos:

“A vida não é apenas o conjunto de funções que resistem à morte, mas é a afirmação positiva de condições que assegurem, ao indivíduo e aos que dele dependem, os recursos indispensáveis à subsistência”.

Dispor dos recursos necessários à própria subsistência não é um favor dispensado ao cidadão, mas é, sim, um direito fundamental, previsto na Constituição brasileira, no seio do qual, se inserem, também, o Direito ao Laser e à Educação.
Pelo menos, é isso, o que penso.

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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A conversa não era bem essa


Paulo Ludovico

Dizem que conversar muito é privilégio das mulheres. Quando digo muito, não me refiro, especificamente, a conversar bem. Muito, nesse caso, se refere ao tempo de conversa mesmo, e não à qualidade da prosa. Se o papo é no telefone, aí, meu amigo, é um "deus-nos-acuda". Sei de uma distinta senhora que passou mais de cinco horas num papo por telefone. A que falava era daquele tipo que tinha a conversa comprida. E falou de Deus e do mundo. A que ouvia, sentou, levantou, sentou de novo, deitou, esperou, tornou a deitar, se irritou, e, em certo momento, esticou tanto o fio do telefone que o danado chegou a perder aquela aparência de mola, ficou “esticadão”. E lá vem blá blá blá. No final da conversa, a que ouviu "tava" com a orelha em brasa, assada igual a “bunda de nenê”.


Conheço um danado que é também desse tipo, quando levanta pra falar, ninguém agüenta. Numa determinada reunião, o "home" começa a prosa com um assunto, lá pelo meio emenda com outro, mais adiante vem um tema diferente, e assim, enchendo a paciência de todos (inclusive a de um amigo, Juvêncio dos Reis, que está sempre na mesma reunião), vai botando palavra em cima de palavra, sem que consiga dar um fim à prosa.
Pra conversar muito, não falta gente, e qualquer lugar serve. Tem mais de um, lá vem conversa. Agora, falar bem e bonito, meu amigo, é privilégio de poucos. Não importa de quem venha o tom, homem ou mulher. Conheço muita gente que sabe juntar as palavras. A professora Railda, por exemplo, sabe falar bonito, o doutor Wladir, esse, então, falar bonito é com ele mesmo. Jório, do posto Dilubra, não fica atrás, acostumado a presidir reuniões, o brabo tem traquejo quando solta o verbo. O professor de Literatura, Dilson, é outro, conversar fácil e bonito “tá” ali mesmo. E é justamente sobre Dilson, lá de Itapetinga, a nossa prosa de hoje.
Dilson é aquele tipo agradável de se conversar. Piadista, sempre tem uma anedota na ponta da língua. Poderíamos referir a ele como sendo o "professor da palavra fácil" (slogan de um comentarista de futebol, o Luís Mendes). Estatura mediana, cabelos fartos e compridos, artista plástico de mão cheia. Na arte de falar, o "bicho" domina tanto o assunto e fala tão bonito, que só dá aula com a sala cheia. Todo mundo pára pra ouvir o danado.
Certo dia, pra perto de uma dezena de anos, lá na vizinha Itapetinga, saem Dilson e Orlei. Os dois estavam a fim de fazer lambança, numa festa lá no clube Os Coroas. Orlei? Ah! Orlei é outro professor, também, de Itapetinga (neste Blog, mesmo, já contei um caso que se deu com ele, em sala de aula). Ele ensina Biologia, no Colégio Opção. T’aí outro cabra bom. Bom professor e pessoa agradável, menos proseador que Dilson, é bem verdade. Também bom de conversa, mas isso hoje, porque antes "num era não". E voltemos à festa de alguns anos atrás, época em que Orlei era um rapaz tímido de dar dó. Essa quem me contou foi o próprio Dilson.
Estavam os dois na festa, de repente, Orlei olha num canto do salão e depara com aquele monumento. Uma morena lindíssima, dessas de fazer judeu errar no troco. Tudo no lugar. Vestido branco e curto. Lapa de “pernão”, de dar inveja a qualquer dançarina de grupo de música baiana. Carla Perez, as "Sheilas" (lembra?) eram fichinhas. Se fosse hoje, iriam arrumar um apelido pra morenaça (melancia, melão, mamão, sei lá que fruta seria....). Seios bem proporcionais e, generosamente, à mostra. Estávamos no verão e percebia-se até a marca do biquíni. Orlei já não se agüentava mais, tinha, a qualquer custo, de falar com a morena. Mas como seria isso, se, na hora "H", faltavam palavras. Só apelando pro famosíssimo papo de Dilson. Depois das devidas explicações, Orlei tinha a promessa do amigo de não apenas o ensinar a se sair (ou entrar) bem nessas situações, mas iria mostrar como fazê-lo.
Estrategicamente, ao mesmo tempo em que a morena, Dilson (com Orlei na cola) segue em direção ao bar. Ao perceber o pedido do "avião", uma certa mistura, ao mesmo tempo, doce e amarga, Dilson disse ao garçom:
- O mesmo que ela.
Virou-se pra morena e disse gostar muito daquela bebida pelo contraste no sabor, amargo e doce (depois, Dilson confessou a Orlei que nunca havia bebido aquilo). Ela, de maneira simpática, concordou e acrescentou que sabores diferentes numa mesma comida a atraíam muito, doce e salgado, por exemplo. Dilson não perdeu a oportunidade de se referir ao contraste da cor da pele morena dela com o branco do vestido, que a deixava mais bonita ainda. Ao lado, boquiaberto, estava Orlei. Como era possível um papo tão fácil assim?
Nessa brincadeira, conversa vai, conversa vem, quase vinte minutos se passaram. Os dois já estavam na terceira ou quarta dose, era impossível lembrar. Orlei, impressionadíssimo, assistia a tudo e cada vez mais encantado com os dotes da morena. Os seios? Ah! Os seios, pensava Orlei, em certos momentos, parecia que eles iriam pular do vestido. De repente, Dilson e o “avião” se dão por satisfeitos, trocam beijinhos de despedida e retornam aos seus lugares. Novamente sozinho com Orlei, Dílson enfatiza que iniciar um papo é fácil, é só saber aproveitar um assunto do momento. Deve-se aproveitar qualquer coisa que estiver acontecendo, ou que a pessoa esteja fazendo. Ele, por exemplo, aproveitou o contraste da bebida pra começar a conversa.
- Entendeu, Orlei? É só aproveitar um acontecimento do momento!
Orlei, depois de agradecer ao colega, foi ao bar e, senhor da situação, pediu a mesma bebida ao garçom (não gostou muito do sabor). Com o copo na mão, seguiu a morena a noite toda. Lá ia o "boeing" e, atrás, o velho Orlei. Lá pelas tantas, quase de madrugada, o som pipocava alto, no auge dessa onda de música baiana. Orlei, finalmente, resolve partir pra morena. Azar o dele que, nesse exato momento, ela vai ao toillete (banheiro, mesmo! Aliás, diz um amigo, o Ronaldo, "banheiro, não!", e justifica, "ela não foi tomar banho"). Orlei fica em pé, na porta, esperando. Que azar, pensava ele, fazer isso justamente agora. "Ela não poderia segurar um pouquinho?" Perguntava a si mesmo. De repente, sem que o nosso protagonista esperasse, sai a morena e dá de cara com Orlei, pára por alguns segundos em frente a ele. Orlei, parecendo ter visto assombração, não sabe o que dizer. Tudo que ele havia preparado pra dizer, jamais foi com a mulher saindo de um banheiro. De repente, numa fração de segundo, ele lembra da dica de Dilson: "um assunto do momento". Sem muito raciocinar, dirigindo-se à assustada mulher, Orlei, com o olhar de conquistador (pelo menos ele achava) e balançando o copo, como aquele "caubói" de filme de bangue-bangue, solta essa pérola:
- Dando a velha “mijadinha”, heim?

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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Padre a mulher do Prefeito


Paulo Ludovico
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Antigamente, nas pequenas cidades, principalmente nas cidadezinhas do interior nordestino, ninguém tomava certas atitudes sem antes fazer algumas consultas a determinados tipos de pessoa. Se o problema era com a educação do filho ou da filha, aí a conversa era com o professor (geralmente, o único da cidade). Sujeito respeitado pelos conhecimentos (Ah! Como as coisas mudaram de lá pra cá), sempre convidado para almoços e jantares das famílias mais tradicionais. E, na mesa, o lugar era de distinção, perto do dono da casa. O gerente do banco (do banco, porque, outrora, em cidades pequenas, só existia, mesmo,

o Banco do Brasil) era outro cabra também de muita importância, principalmente para opinar sobre os negócios. Comprar ou vender uma propriedade, sem antes falar com o "ome lá do banco"? Nem pensar! Pra esse aí, a maioria das famílias reservava a própria filha. Se o casamento fosse feito, pronto, o futuro da menina estava garantido. É que o salário do "mardito" era alto e, por causa disso, sobrava sempre um dinheirinho para ser investido em propriedades (diria um bancário de hoje: "ah! Nesse aspecto, como as coisas também mudaram de lá pra cá!"). Outro sujeito respeitado nas cidadezinhas de antigamente era o médico. Esse aí tinha tanta importância que opinava até sobre a vida sexual do dono da casa. De vez em quando vinha de lá um conselho: "compadre, hoje não. Espere pra outra semana". Ou assim: "Acho melhor o compadre dormir na sala durante esta semana, porque a comadre anda um tanto indisposta". Ai de qualquer outro que ousasse dar um conselho dessa natureza. Era briga pra mais de um século. O delegado. Esse mesmo é que fazia parte da amizade "do peito" de muitas famílias antigas, principalmente dos "coronéis". Vez por outra, fazia vista grossa para certas atitudes mais explosivas daqueles que detinham o poder. Mas nosso causo de hoje, verdadeiro (pelo menos quem me contou jurou que aconteceu mesmo), se passou com uma figura, que naqueles outros tempos, era não menos importante do que o professor, o gerente do banco, o médico e o delegado: o padre! Esse tinha acesso a qualquer família, não importando a classe social. Rico ou pobre, todos recebiam bem o padre, considerado como um "santo homem". Hoje, com os tempos mudados, os padres continuam com a própria importância, só que de uma maneira diferente. Nos dias atuais, eles não interferem tanto na vida particular das famílias, tratam mais dos interesses coletivos. Antigamente, o padre costumava visitar cada uma das famílias que compunham o seu rebanho. Se se tratasse de pessoa de muitos bois, grandes plantações, conta bancária polpuda, que pudesse alimentar as "obras da igreja", aí, meu velho, a dedicação era quase que exclusiva. Mas vamos ao padre de nossa história.
Em Poções, cidade a pouco mais de meia hora de Conquista, até há bem pouco tempo, existia um padre conhecidíssimo em toda a Região: o padre Honorato (que Deus o tenha). Homem bom, quase santo. Respeitado por todos. Sempre aconselhando a quem dele esperava uma palavra de conforto. Mas o padre tinha um defeito: surdo, como ele só, quase não ouvia o que se falava ao seu redor. Pra conversar com alguém, só encarando seu interlocutor, isso pra fazer uma leitura labial que lhe desse noção do que estava sendo dito, ou então, a solução seria falar alto, perto do ouvido do nosso querido Honorato. Detalhe de surdez à parte, não há, na cidade, quem não se lembre da figura bondosa do padre Honorato. Batizado, então, ele realizou mais de quinhentos (minha filha, Thaise, foi batizada por ele). Na vizinha Poções, cidade de Michele (pronuncia-se Miqueli), professor de Física - e dos bons, lá do Colégio Opção -, é difícil encontrar uma pessoa, com mais de quinze anos, que não tenha sido batizada pelo velho padre Honorato. Abençoar inauguração, era com ele mesmo, já andava com a garrafinha de água benta no bolso. Batizado, casamento e inauguração, o padre nem pestanejava, e o melhor é que nesses eventos a mesa era sempre farta. O padre Honorato (aliás, da mesma maneira que a maioria dos padres) não se continha, diante de uma mesa farta, sempre comia de tudo, e só ficava satisfeito quando o estômago estava "quase que saindo pela boca", tal era a gula.
E foi num desses dias de inauguração que aconteceu esse caso com o velho padre da cidade de Poções. Conta-se que o prefeito de uma cidade vizinha havia convidado o padre Honorato para abençoar uma determinada obra, no dia de sua inauguração. Era um domingo de festa, aniversário da cidade, dia do Santo Padroeiro. Gente que não acabava mais. Há muito tempo, não se via aquela multidão na cidadezinha, de pouco mais de dez mil habitantes. De tão satisfeito, o prefeito havia feito, em sua própria residência, um almoço de arromba, pára incontida satisfação do nosso querido padre Honorato. Na lista de convidados, mais de cem pessoas, das mais importantes da Região e do Estado. Até deputados faziam parte da lista de convidados. O padre Honorato, uma meia hora antes de ser servido o almoço, deu uma passadinha na cozinha e se empanturrou com todos aqueles assados e cozidos. A sobremesa também não escapou, duas porções (das grandes), pelo menos, foram devoradas em questão de segundos. Satisfeito (e de barriga cheia), o Padre resolveu procurar um lugarzinho pra se escorar. Ao passar pela sala, onde estavam todos os convidados, viu que o prefeito caminhava em sua direção e de braços dado com uma senhora, que só poderia ser a primeira-dama. O padre pensou: "Já que todos se dirigem à mesa do almoço, ele só pode vir me chamar para acompanhá-lo". O prefeito, ao chegar diante do padre, disse:
- Padre Honorato, eu queria lhe apresentar a minha esposa.
O padre, sem ouvir quase nada e pensando estar sendo convidado pra almoçar, respondeu:
- Oh, meu filho, já comi muito. E mais de uma vez. Estava tão gostosa que até repeti.
O prefeito, “desconcertadíssimo” perante seus convidados e achando aquilo um mal-entendido, insistiu:
- Padre! Essa é minha esposa!
O padre, dirigindo-se à saída da sala, repetiu, para todos ouvirem:
- Meu filho, se você quer saber, confesso, comi três vezes. Agora, comer de novo, não. Não insista, estou satisfeito!


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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Jorge e a goteira


Paulo Ludovico

"Esse cara é pior do que uma cancela".
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Assim, muita gente se refere àquelas pessoas pouco gentis (gentis, "educadamente" falando, porque no velho e bom "portuga" é bruto mesmo). Ser pior do que uma cancela é aquele tipo de sujeito que a brutalidade é tanta que os amigos se referem a ele como "um sujeito de estopim curto". E assim é essa história (ou seria estória) de hoje. Ela fala de um sujeito desses, pior do que duas cancelas quando vêm de ladeira abaixo e batem no mourão, arrasando meio mundo. E se tiver um matuto por perto certamente ele diria: "Eita peste, essa pancada aí estralou mermo sô!".


Morou em Conquista, naquela praça onde fico o Fórum (era a Rua das Sete Casas) um homem bom à toda prova, o Sr. Jorge Teixeira. Dizem, os que o conheceram, que ajudar os outros era com ele mesmo. Mas, dizem também que quando Deus estava distribuindo paciência aos homens, ele, o velho Jorge Teixeira, se esqueceu de passar por lá. O que o homem tinha de bom, tinha de pouco paciente. Ele era tão sem paciência que o seu estopim não era curto não, nem estopim o filho de Deus tinha.
Jorge Teixeira foi proprietário de quase todo o Bairro Candeias. Onde hoje é a Sacramentinas, o Instituto São Tarcísio, o BNH, Urbis I, Inocoop I e II, dizem que era tudo dele. Fique em pé ali perto da AABB e olhe pras banda da UESB, onde a vista alcançar, era terra de Jorge Teixeira. Cabra bom, honesto e bastante conhecido. Era cumprimentado por todos na cidade.
Conta-se que, numa certa feita, o Sr. Jorge Teixeira resolveu, de punho próprio, consertar umas goteiras que havia tirado o pouco de paciência que ainda lhe restava. É que, com o passar dos tempos, uma telhinha se afasta dali, outra que se quebra daqui e quando menos se espera o estrago está feito. Bastante calmo (se é que ele conhecia o que era ficar calmo), o bom Jorge tirou aquele feriado pra consertar o telhado de sua casa. O serviço havia começado pela manhã, antes mesmo dos primeiros raios de sol. E é telha que sai, telha que vem, bate um prego ali, outro acolá mas, apesar de todo empenho, o serviço não andava. Já era perto do meio dia, sol quente, daqueles de rachar. O homem suava por todos os poros, o nervoso era tanto que já nem cabia dentro do corpo. Em muitos momentos, Jorge Teixeira maldisse a idéia que tivera de fazer o serviço sozinho, sem uma ajudazinha sequer.
Justamente nesse momento, de maior ira, é que surgem aquelas chamadas, presenças indesejadas. E o que é pior, fazendo as tais perguntas, que jamais deveriam ser feitas. E com seu Jorge não foi diferente, apareceu um seu conhecido:
- Bom dia, Seu Jorge.
- Bom dia.
Aquele bom dia seco, de quem não quer muito papo. Sem entender (ou seria, sem querer entender?) E o homem continuou:
- O sol tá quente, né?
E veio a resposta em cima da bucha:
- Sol frio, eu num conheço, não.
Uma espécie de aviso pra que não fosse feita outra pergunta. Mas, o inconveniente, sem perceber o aviso indireto (ou querendo mesmo chatear) lascou a seguinte indagação:
- Consertando a goteira, seu Jorge?
Aí foi demais pra paciência do pobre homem. Ele, vermelho e com veia do pescoço inchada, saiu marchando (igual a soldado do exército, em 7 de setembro), quebrando tudo que é telha, e dizendo:
- Não!!!!! Não estou consertando, não!!!! Se você quer saber, estou fazendo é mais goteiras!!!!

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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Um colega pouco comum


Paulo Ludovico

Quem quiser contar qualquer caso - ou seria causo - do passado escolar de Conquista, certamente terá que falar do velho Ginásio de Conquista. Lá, foi diretor o Padre Luiz Soares Palmeira, o temível Padre Palmeira. A história de um e de outro (do padre e da escola) em certos momentos, se confundem, chega a ser uma só, tanto que, o velho ginásio ficou conhecido, também, como: o Ginásio do Padre.


Padre Palmeira era o típico professor dos tempos passados. Sujeito inteligente e dono de uma cultura que impressionava. Mas, bem o sabem os que estudaram ali, o "bicho" era sisudo e bruto, "igualmente" a uma cancela. Daquele tipo que não leva desaforo pra casa. Aqui mesmo, neste espaço, cheguei a contar uma rusga entre o velho Palmeira e o prefeito Edvaldo Flores (aquela, motivada pela morte de um burro).
Anda vivinho por aí, muito cabra bom, outrora aluno do Ginásio do Padre. Cada um se lembra bem das idas e vindas daquele diretor. Gilberto Cardoso (apelido: de Tostão), Humberto Flores (é bom nem tocar no apelido desse, é caso encerrado e não se fala mais nisso), Elquisson Soares, Ubirajara Fernandes são apenas alguns dos que estudaram no antigo ginásio. Ah! Minha saudosa mãe, também foi aluna do Padre Palmeira.
O Padre Palmeira, além de estar à frente como Diretor da instituição, também ia à sala de aula. E não havia um só vivente, daquelas turmas, que não temia a "ira do padre". A cena era sempre a mesma, o padre dando aula e a turma ali, caladinha, pode-se até dizer que um chegava a ouvir o pensamento do outro, tal era o silêncio. Bom orador, o padre diretor sempre fazia valer o seu ponto de vista (e mesmo que não fosse bom, quem ousaria se opor?). E é nesse clima que o ano letivo se arrasta. Naqueles tempos, não sei precisar exatamente quando, Conquista devia ser um marasmo só. Mas, o que fazer?
Num certo dia, comum igual a tantos outros, o Padre Palmeira se prepara para mais uma aula. Os alunos, mesmo com todo o temor e respeito próprios da época, têm a infeliz idéia de azucrinar a vida do sacerdote (em qualquer grupo, sempre tem aquele indivíduo mais ousado). Minutos antes da aula, os meninos, aqueles mais "encapetados" (também em toda escola tem um, falo de cátedra), trazem, das cercanias do ginásio (área onde muitos animais viviam soltos), um burro e o deixam em pé, “plantadinho” na sala de aula, justamente na sala para onde se dirigiria o Padre Palmeira. Toca a sineta (pelo menos assim o suponho) e lá vem o professor. Os alunos, escondidos do lado de fora, esperam pra ver no que a brincadeira ia dar. Alguns até já se arrependiam, mas... O padre entra na sala e fecha a porta. Passa o tempo, nada acontece. Lá se veio meia hora de aula e... nada. Alguns alunos começam a sair de suas posições, olham pra porta fechada e tudo calmo. Decepcionados, pois eles queriam ver o Padre Palmeira enfurecido, se entreolham e... a porta continua fechada. O que teria havido com o velho Palmeira? Não seria mais o mesmo? Porque ele agia como se nada tivesse acontecido? Assim passa todo o período de aula. Com indagações mil e intrigados, todos retornam às suas casas.
No dia seguinte, a mesma rotina, logo pela manhã, aula, e o que é pior, com o Padre Palmeira. O que acontecera no dia anterior já fazia parte do passado. De se estranhar, só o fato de a porta da sala de aulas se encontra fechada. Sem dar muita importância ao detalhe, eles conversavam até que, a porta se abre e o Padre convida a todos para entrar. No interior da sala, em todas as carteiras, estrategicamente arrumadas, havia uma prova e de um assunto que ainda não tinha sido dado. Indignação generalizada. Como poderia ser aplicada uma prova sem aviso e, ainda por cima, de um assunto ainda não visto? Um dos alunos, talvez o líder da sala, arrisca uma pergunta ao padre:
- Padre, me desculpe, mas o senhor não se enganou? Pergunto, porque esta prova não foi marcada e, além disso, o assunto não foi visto.
O Padre Palmeira, com seu jeito de intelectual e de quem é dono da situação, disse em voz firme:
- Marquei a prova sim e o assunto foi dado também. Por sinal, dei o assunto e marquei a prova na aula de ontem, quando o colega dos senhores estava presente. Perguntem a ele.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ponto pro professor


Paulo Ludovico

Pensar é privilégio de poucas pessoas. Pensar rápido nem se fala, aí, meu senhor, já é virtude de pouquíssimos. Mesmo assim, quem rebuscar na memória há de se lembrar que já deve ter conhecido um cabra desses, bom e rápido de raciocínio. E eu conheço um assim, já até contei uma de suas histórias, aqui, é Gilvan Quadros, filho de Raimundo Quadros. Gilvan, hoje, com pouco mais de 50 anos de idade, é dono de uma loja de informática no Shopping Center Iguatemi, em Salvador. Bom jogador de xadrez (só podia ser), foi ele quem ensinou o movimento do pião, do bispo e da dama, tudo no tabuleiro, é claro, ao Armínio Santos.


Principiando nossa história, tudo aconteceu lá pelos idos de 1969. Gilvan devia estar, naquela época, com 13 ou 14 anos de idade. Fazíamos parte de uma turma onde estudavam pessoas que vez por outra nos vem à lembrança. Maria Perpétua, que trabalhou no Baneb, Mauro Muñoz, médico oftalmologista aqui em Conquista, Fernando e Crésio, filhos de Dr. Fernando Dantas Alves, Mauro, que tinha uma revenda da Coca Cola, ali na Praça Vitor Brito, Pedro Moraes Neto, o Pedrinho (que, depois da cirurgia de redução do estômago, está tal e qual um bailarino espanhol) Jadel Cajazeira, irmão de Lúcia Cajazeira, do Juvêncio Terra e tantos outros. Ah! não poderia esquecer de Maria das Graças Duarte, a Gracinha Duarte, naquela época, aluna cobiçada por todos os colegas. Perguntem a Pedrinho, a Mauro (qualquer um dos dois), certamente eles, como os demais, devem se lembrar dela (por onde andará?). Mas voltemos ao motivo da nossa prosa.
Estudávamos todos na Escola São Tarcísio, hoje Instituto, mas era Escola São Tarcísio naqueles idos tempos. Eram nossas professoras, Edna (de saudosas recordações), Edméia e Ednalva, as irmãs, que, com tanta dedicação, fizeram crescer aquela querida escola. Quem fez parte daquele tempo, lembra-se da professora Juanita, da professora Alzair, de matemática, os irmãos Bira e Iara Cairo, ele ensinava Ciências Naturais, ela, História. Quem ensinava inglês pra gente era Ediroaldi, o competente mas, temível Ediroaldi. Pois muito bem, num desses dias comuns, quando nada estava previsto pra acontecer, antes de nossa aula de inglês, dois alunos travavam uma cerrada discussão, a poucos “centímetros” das vias de fato, mesmo. Um dos brigões? O velho e bom Gilvan Quadros. Ofensa saia de um lado pra outro com tanta velocidade que nem dava tempo de piscar os olhos. Os dois, Gilvan e seu "oponente", vermelhos de raiva, quase não pensavam no que diziam, vinha a palavra (palavrão, na maioria) e saia mesmo. Coisas de assustar nos dias de hoje, imagine naquela época. As meninas, Perpétua, Sandra Ferraz (havia me esquecido da Sandra), de há muito, se escondiam num canto da sala. Além do medo da briga, a vergonha pelos xingamentos (ou, para os mais ecléticos, vetupérios). No calor das ofensas, você é isso, você é aquilo, aquilo é você, filho daquilo e daquilo outro, entra na sala o velho e “temidíssimo” Ediroaldi. Dois ou três alunos, se muito, é que perceberam. O professor esperou alguns segundos. Uma chance para que a presença dele fosse notada. Nada, palavrão cortava o ar, chegava zunir, juram alguns. Não se sabe quantos segundos se passaram, quem viu Ediroaldi entrar na sala e ficar a poucos metros da porta, achou que foi uma eternidade. Os brigões continuavam trocando ofensas. O professor, aos poucos, mudava a fisionomia, ia "enraivecendo" e achando que havia chegado a hora de dar um fim àquilo tudo, em voz pausada e forte, disse:
- Atenção! Ponto pra quem disser mais besteira.
Raciocinando velozmente, em cima da bucha e sem ligar para as conseqüências, Gilvan disse, apontando o indicador para Ediroaldi:
- Ponto pro senhor!
Seu moço, fez-se silêncio total, de ensurdecer. Emudecemos todos. Gilvan?... Ah! Esse foi suspenso durante uma semana.


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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Somos um povo sem memória


Paulo Ludovico

O Brasil, na realidade, é um País sem memória. É como diz a gíria, “passou, já era”. E, para que se caia no esquecimento, nem é necessário que se passe muito tempo. O ex-presidente Collor, acusado de corrupção e de malversar o dinheiro público, é tirado da presidência da República, pelo voto dos senhores deputados. Pouco tempo depois, como se nada tivesse acontecido, volta à vida pública, mais precisamente, ao Legislativo e (o que talvez seja pior) com uma expressiva votação popular. Ou seja, Fernando Collor volta, pela vontade do povo, para o mesmo Poder que o tirara da Presidência da República. É como se o povo, esquecido, passasse a limpo todos aqueles acontecimentos (PC Farias, Casa da Dinda, Gastos de Rosane Collor, etc.). E o Jader Barbalho, com a questão das rãs, que envolveu até a filha do Ex-presidente Sarney. Se formos citar aqui a quantidade de políticos que saíram da vida pública, por atitudes pouco louváveis e depois retornaram, sendo campeões de voto, perderemos a conta. Ou Paulo Maluf não seria um desses exemplos?


Relembro disso, porque, outro dia, minha irmã Maria Olívia Flores Costa (o nome dela foi uma homenagem à nossa avó, Olívia Flores), conversando comigo, expressou sua revolta. Disse ela: “Paulo, outro dia, fiz uma ligação para o Abrigo Nosso Lar, da União Espírita. Quando me identifiquei como filha de Dalva Flores, a funcionária me perguntou: “Quem é Dalva Flores?”

Ainda que tentasse esconder, para não aumentar, ainda mais, a tristeza de minha irmã, senti uma grande decepção, quando imaginei que aquele poderia ser uma indagação de todos que vivem o presente daquela instituição, que, a propósito, desde 1960, passou a ser razão da vida de Dona Dalva Flores. Aliás, um dos meus orgulhos na vida é ser filho de Dalva Flores, sentimento que expressei pra ela muitas vezes, durante o nosso conviver. Aprendi muito com aquela senhora que nos deixou, há dois anos, acometida que fora de uma enfermidade cardíaca. Para aqueles daquela instituição (Abrigo Nosso Lar), que, porventura, também se perguntem quem é Dalva Flores, vão aqui algumas informações. Dona Dalva Flores conheceu o marido dela em setembro de 1953 e, depois de se verem quatro vezes, nos dois meses seguintes, casaram-se em novembro, do mesmo ano. Viveram em perfeita harmonia por trinta anos, até a morte dele em 1983. Poucas vezes vi meu pai e minha mãe discutirem e, nas vezes em que isso aconteceu, foi em razão do Abrigo Nosso Lar, pela dedicação, quase que exclusiva, de minha mãe, àquela instituição. Em toda a minha vida, tive o Abrigo Nosso Lar como uma espécie de irmão mais velho, já que fui obrigado a dividir minha mãe com aquela instituição. Varias vezes, quando criança, chorei, reclamando a presença dela, que, invariavelmente, estava no Abrigo, dedicando-se àquela velhice, antes, desampara (aliás, eram esses os motivos alegados por meu pai, quando discutia com minha mãe). Confesso que em minha infância e início da juventude, não via o Abrigo com bons olhos, ele era o meu rival (meu e de meus irmãos), em relação à minha mãe. Depois, com o passar do tempo, fui entendendo que o Abrigo, para Dona Dava Flores, era como uma missão, uma razão de vida: “Paulo a vida só vale à pena ser vivida, na medida e que você a use em benefício dos que necessitam”, dizia. Ela entendeu que, na dedicação aos idosos desamparados, estava o seu caminho, em busca da perfeição espiritual. E se dedicou ao máximo. Certo dia, ao entrar no Abrigo, deparei-me com minha mãe, sentada numa cama, tendo, no colo dela, uma das idosas, deitada com as costas, em carne viva, voltadas pra cima. Dona Dalva fazia curativos naqueles ferimentos, causados por um incêndio em uma das camas de madeira. Nunca esqueci aquela cena. Minha mãe limpando, pacientemente, aquele imenso ferimento. Não tive coragem (nem estômago) de continuar ali. Aliás, foi para prevenir esses incêndios, como o que vitimou aquela pobre criatura, que construíram camas de alvenaria.

Numa época de dificuldades, para não ver os abrigados passarem privações na alimentação, Dona Dalva Flores (essa senhora, hoje desconhecida no Abrigo), quando ainda se locomovia com facilidade, saia por todo o comércio de Conquista, pedindo donativos que abasteceriam a dispensa do Abrigo. A ajuda vinha de toda a comunidade. Depois, pela dificuldade de locomoção (acometida de uma artrose que a fazia se utilizar de uma bengala), ela deixou de buscar aqueles donativos e, mesmo assim, eles chegavam até o Abrigo, doados por toda a comunidade, que ela fez sempre questão de agradecer. Muitos desses donativos, Dona Dalva dividia com a irmã Aninha, do Orfanato.

Há muito tempo, o Abrigo funcionava, com a presença de pouco mais de trinta internos, onde, hoje, funciona a Merenda Escolar, num prédio abaixo do Ginásio de Esportes Raul Ferraz. Na época da construção do ginásio, o então prefeito Raul Ferraz disse da necessidade que teria daquele prédio. A idéia, segundo o prefeito, era transformar o local num alojamento para abrigar atletas de delegações esportivas visitantes. Raul Ferraz ouviu de minha mãe (ele está aí para atestar esse fato) que o Abrigo Nosso Lar cederia aquelas instalações, mas, em troca, a Prefeitura teria de construir um outro alojamento para os idosos. E o local foi construído. É nele onde se instala, atualmente, o Abrigo Nosso Lar, no final da Rua Avenida Rosa Cruz (perto da estrada da Barra do Choça). Nos últimos 10 anos de sua vida, Dona Dalva, saia de casa e com passos lentos, sem largar sua inseparável bengala, se dirigia para viver o dia-a-dia em companhia daqueles idosos. Um dia perguntei a ela: Mãe, porque os idosos? Ela, sem titubear me respondeu: “Os novos e os jovens muitos podem tomar conta, além disso, eles têm toda a vida pela frente, mas os velhos, quem há de olhar para eles?” E concluiu: “Quando eu não puder mais andar, quero viver no Abrigo”.

Certo dia, minha mãe disse que tinha um sonho em relação às instalações do Abrigo: “construir uma fonte no meio do jardim, na parte interna”. Tanto lutou que conseguiu as doações necessárias (do projeto ao material de construção). Acho que essa fonte ainda faz parte do cenário do Abrigo. Acho porque, desde que minha mãe deixou o nosso convívio, não mais entrei no Abrigo.

Ah! Por toda a dedicação de Dalva Flores àquela instituição, hoje existe, perto da Fainor, a Rua Dalva Flores, uma homenagem do município, imortalizando o nome dessa senhora que gastou a vida dedicando-se à causa do próximo. Ela dizia: “Não há fé sem obras e fora da caridade não há salvação”:

Eu poderia continuar falando, aqui, acerca da dedicação de minha mãe aos assuntos do Abrigo. Para encerrar, recordo um episódio que, até hoje, me emociona. Aconteceu durante o velório dela, realizado na Loja Maçônica Cavaleiros do Oriente. Naquele dia, aproximadamente 30 idosos, internos do Abrigo Nosso Lar, ajoelhados, fizeram um círculo em volta do caixão. Eles rezaram. Não sei o que diziam ou qual era a oração, mas foi a mais linda que já vi. Certamente serviram de bálsamo ao espírito de Dalva Flores, insisto, essa senhora, hoje, desconhecida naquela instituição, que carrega, em cada um de seus tijolos, parte da vida, da dedicação e do amor de Dalva Flores. Queiram ou não.

Sei que esse meu desabafo não chegará até os que hoje fazem o Abrigo Nosso Lar. Mas, por uma questão de justiça, resolvi fazê-lo. Minha mãe, onde estiver, também não deve estar aprovando essa minha atitude. Peço perdão a ela, mesmo porque estou longe do seu grau evolutivo. Talvez, um dia, quem sabe...

Em agosto último, na semana do dia dos pais, escrevi um texto que intitulei “Lembranças de meu pai”, talvez esse devesse chamar “Lembranças de minha mãe”.

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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Feia...Mas nem tanto


Paulo Ludovico

Um dito popular: "esse cabra é igual a peixe, morre pela boca". Todo mundo já conheceu alguém assim. E, pra lembrar (ou relembrar), não é preciso de muito rodeio, basta pensar um pouco... pronto, a imagem do brabo já está aí, batendo na memória. Morrer pela boca é aquele tipo que "tem opinião formada sobre tudo" e pra tudo. Na maioria das vezes, o indivíduo se acha dono da verdade. Numa prosa qualquer, surge a deixa, e o infeliz manda ver, palavras bonitas “chuviscam”. Mesmo sem que qualquer pergunta tenha sido feita, a danada da opinião "pipoca de lá". Doa a quem doer.


Outro dito popular: "pra esse sujeito ser considerado baixo, precisa crescer mais uns 30 centímetros". Essa é pros que se "esqueceram de crescer". É o famoso baixo. Aí, "mano véi", é história pra dois mil anos. Pra início de conversa, todo baixo é invocado, nojento (nojento no bom sentido, claro), cheio de nó pelas costas. Um "baixinho" (e por esse diminutivo é por onde começam os problemas) me confidenciou certa feita: "todos querem zombar de nós baixos. Só se referem a gente como... baixinho". E não é que o danado tem razão? Baixinho é de doer. Se baixo, já é baixo, baixinho deve ser um "baixo menor ainda". E os apelidos? Alguém vê um "baixinho", e é aquela festa: "tamborete de forró", "pintor de roda-pé", "anão de jardim". Esses são apenas alguns deles. Dizem até que se altura fosse dinheiro, sujeito baixo seria troco. Brincar com o baixo é prato pra toda hora. Aparece um deles e tem quem saia com uma dessas: "fulano é tão baixo que pra conseguir subir na calçada, só se atravessar a rua correndo". Não é sem razão que a maioria dos que têm baixa estatura passe a idéia de ser um sujeito "invocado". Esse temperamento, tendendo para agressivo, não é outra coisa senão uma espécie de autoproteção.

Pra nossa história ficar bem temperada, vamos juntar esses dois tipos numa só pessoa, o sabe tudo e o baixo. Melhor dizendo, o baixinho, pra deixar o cabra mais "invocado" ainda. A "mistura", isto é, o baixo falante, trabalhava (hoje deve ser aposentado) no Banco do Brasil, em Conquista, numa época em que só havia a agência central. Hudson é o nome dele. Um baixinho daqueles "invocados", que carregava, na época, a alcunha (apelido) de "cabo Oscar", por se parecer tanto com um militar de mesmo nome que atuou em Conquista. Nessa época, o gerente do BB era o "seu" Lima. Aliás, foi seu Lima quem primeiro acreditou no potencial cafeeiro da Região. Como gerente, ele abriu as portas do banco, e os (cofres) para aquela nova lavoura, lá pelo início da década de 70. Mas vamos voltar ao rumo da nossa prosa.
Houve uma época em que o Banco do Brasil estava promovendo a transferência de alguns de seus funcionários. Uns saíam daqui, outros terminavam por aqui, aqueles iam pra acolá. E, nesse clima de troca-troca, foi quando, um belo dia, chegaram para Conquista uns quatro ou cinco funcionários de outras localidades. Pra eles, já com a mão na massa, o expediente iria até as duas da tarde, quatorze horas, corrigiam sempre os mais compenetrados. Lá pela uma da tarde, chega pro seu dia de trabalho o nosso querido Hudson, o "cabo Oscar". Caixa, dos bons, ele pegou logo no batente.

Atende um daqui, outro dali (na época a coisa era mais complicada, não havia a ajuda da informática), vai até o arquivo conferir a assinatura de um cliente, brinca com alguém, diz uma "piléria" pra outro e, assim, começa, pra Hudson, aquele dia que não deveria ter existido. Observador como ele só, o "baixinho", de pronto, percebeu gente estranha no pedaço. Conter-se, pra não fazer um comentário qualquer, poderia ser comparado a um ato heróico, de sacrifício extremo. Colegas mais próximos até se afastaram dele, afinal, um comentário qualquer podia "pipocar de lá". E assim vai passando o tempo, Hudson, na sua rotina, examina uma ficha, confere um saldo, faz uma anotação, vai, de novo, até o arquivo, e pronto, está armada a encrenca. Ao seu lado, dois dos transferidos, um homem, à sua esquerda, e, à direita, uma mulher.

Feia de dar dó, pra voar só faltava a vassoura. Um palito que andava e, pra piorar o quadro, a divina era corcunda. As pernas eram um caso à parte, de tão finas, uma perna da meia-calça bastava. Metade desses "atributos" da dama já seria suficiente pros famosos comentários do velho Hudson. O espantalho, ou melhor, a mulher, depois de verificar a autenticidade de uma assinatura, volta pro caixa. Hudson não se fez de rogado, vira-se pro camarada à sua esquerda e diz:

- Amigo, umas transferenciazinhas, né?

O colega fez apenas um leve movimento com a cabeça. E Hudson continuou:

- Amigo, parece que os diretores do banco não gostam muito da agência de Conquista.

Você viu aquilo? Que mulher feia, de doer, mandaram pra cá?

O colega, com cara de poucos amigos, respondeu:

- Em primeiro lugar, não sou seu amigo e, em segundo, fique o senhor sabendo que ela é minha esposa.

Hudson perdeu completamente o rebolado. De tão enrolado, o primeiro impulso foi o de dar os pêsames pro sujeito, mas, refeito, saiu com essa:

- Moço, sua mulher é feia. Mas é gostosa!

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