quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Padre a mulher do Prefeito


Paulo Ludovico
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Antigamente, nas pequenas cidades, principalmente nas cidadezinhas do interior nordestino, ninguém tomava certas atitudes sem antes fazer algumas consultas a determinados tipos de pessoa. Se o problema era com a educação do filho ou da filha, aí a conversa era com o professor (geralmente, o único da cidade). Sujeito respeitado pelos conhecimentos (Ah! Como as coisas mudaram de lá pra cá), sempre convidado para almoços e jantares das famílias mais tradicionais. E, na mesa, o lugar era de distinção, perto do dono da casa. O gerente do banco (do banco, porque, outrora, em cidades pequenas, só existia, mesmo,

o Banco do Brasil) era outro cabra também de muita importância, principalmente para opinar sobre os negócios. Comprar ou vender uma propriedade, sem antes falar com o "ome lá do banco"? Nem pensar! Pra esse aí, a maioria das famílias reservava a própria filha. Se o casamento fosse feito, pronto, o futuro da menina estava garantido. É que o salário do "mardito" era alto e, por causa disso, sobrava sempre um dinheirinho para ser investido em propriedades (diria um bancário de hoje: "ah! Nesse aspecto, como as coisas também mudaram de lá pra cá!"). Outro sujeito respeitado nas cidadezinhas de antigamente era o médico. Esse aí tinha tanta importância que opinava até sobre a vida sexual do dono da casa. De vez em quando vinha de lá um conselho: "compadre, hoje não. Espere pra outra semana". Ou assim: "Acho melhor o compadre dormir na sala durante esta semana, porque a comadre anda um tanto indisposta". Ai de qualquer outro que ousasse dar um conselho dessa natureza. Era briga pra mais de um século. O delegado. Esse mesmo é que fazia parte da amizade "do peito" de muitas famílias antigas, principalmente dos "coronéis". Vez por outra, fazia vista grossa para certas atitudes mais explosivas daqueles que detinham o poder. Mas nosso causo de hoje, verdadeiro (pelo menos quem me contou jurou que aconteceu mesmo), se passou com uma figura, que naqueles outros tempos, era não menos importante do que o professor, o gerente do banco, o médico e o delegado: o padre! Esse tinha acesso a qualquer família, não importando a classe social. Rico ou pobre, todos recebiam bem o padre, considerado como um "santo homem". Hoje, com os tempos mudados, os padres continuam com a própria importância, só que de uma maneira diferente. Nos dias atuais, eles não interferem tanto na vida particular das famílias, tratam mais dos interesses coletivos. Antigamente, o padre costumava visitar cada uma das famílias que compunham o seu rebanho. Se se tratasse de pessoa de muitos bois, grandes plantações, conta bancária polpuda, que pudesse alimentar as "obras da igreja", aí, meu velho, a dedicação era quase que exclusiva. Mas vamos ao padre de nossa história.
Em Poções, cidade a pouco mais de meia hora de Conquista, até há bem pouco tempo, existia um padre conhecidíssimo em toda a Região: o padre Honorato (que Deus o tenha). Homem bom, quase santo. Respeitado por todos. Sempre aconselhando a quem dele esperava uma palavra de conforto. Mas o padre tinha um defeito: surdo, como ele só, quase não ouvia o que se falava ao seu redor. Pra conversar com alguém, só encarando seu interlocutor, isso pra fazer uma leitura labial que lhe desse noção do que estava sendo dito, ou então, a solução seria falar alto, perto do ouvido do nosso querido Honorato. Detalhe de surdez à parte, não há, na cidade, quem não se lembre da figura bondosa do padre Honorato. Batizado, então, ele realizou mais de quinhentos (minha filha, Thaise, foi batizada por ele). Na vizinha Poções, cidade de Michele (pronuncia-se Miqueli), professor de Física - e dos bons, lá do Colégio Opção -, é difícil encontrar uma pessoa, com mais de quinze anos, que não tenha sido batizada pelo velho padre Honorato. Abençoar inauguração, era com ele mesmo, já andava com a garrafinha de água benta no bolso. Batizado, casamento e inauguração, o padre nem pestanejava, e o melhor é que nesses eventos a mesa era sempre farta. O padre Honorato (aliás, da mesma maneira que a maioria dos padres) não se continha, diante de uma mesa farta, sempre comia de tudo, e só ficava satisfeito quando o estômago estava "quase que saindo pela boca", tal era a gula.
E foi num desses dias de inauguração que aconteceu esse caso com o velho padre da cidade de Poções. Conta-se que o prefeito de uma cidade vizinha havia convidado o padre Honorato para abençoar uma determinada obra, no dia de sua inauguração. Era um domingo de festa, aniversário da cidade, dia do Santo Padroeiro. Gente que não acabava mais. Há muito tempo, não se via aquela multidão na cidadezinha, de pouco mais de dez mil habitantes. De tão satisfeito, o prefeito havia feito, em sua própria residência, um almoço de arromba, pára incontida satisfação do nosso querido padre Honorato. Na lista de convidados, mais de cem pessoas, das mais importantes da Região e do Estado. Até deputados faziam parte da lista de convidados. O padre Honorato, uma meia hora antes de ser servido o almoço, deu uma passadinha na cozinha e se empanturrou com todos aqueles assados e cozidos. A sobremesa também não escapou, duas porções (das grandes), pelo menos, foram devoradas em questão de segundos. Satisfeito (e de barriga cheia), o Padre resolveu procurar um lugarzinho pra se escorar. Ao passar pela sala, onde estavam todos os convidados, viu que o prefeito caminhava em sua direção e de braços dado com uma senhora, que só poderia ser a primeira-dama. O padre pensou: "Já que todos se dirigem à mesa do almoço, ele só pode vir me chamar para acompanhá-lo". O prefeito, ao chegar diante do padre, disse:
- Padre Honorato, eu queria lhe apresentar a minha esposa.
O padre, sem ouvir quase nada e pensando estar sendo convidado pra almoçar, respondeu:
- Oh, meu filho, já comi muito. E mais de uma vez. Estava tão gostosa que até repeti.
O prefeito, “desconcertadíssimo” perante seus convidados e achando aquilo um mal-entendido, insistiu:
- Padre! Essa é minha esposa!
O padre, dirigindo-se à saída da sala, repetiu, para todos ouvirem:
- Meu filho, se você quer saber, confesso, comi três vezes. Agora, comer de novo, não. Não insista, estou satisfeito!


2 comentários:

Anônimo disse...

O Ludovico é muito bom com os seus contos. O Padre Honorato, mesmo com o aparelho no ouvido) não escutava nada, falava o português italionado (sua origem Italia). Era muito engraçado... Mais uma vez Paulo presenteia os leitores com um texto enxuto.

Anônimo disse...

O Ludovico é muito bom com os seus contos. O Padre Honorato, (mesmo com o aparelho no ouvido) não escutava nada, falava o português italionado (sua origem Italia). Era muito engraçado... Mais uma vez Paulo presenteia os leitores com um texto enxuto.