sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Academia do Papo


Cansadinho: um filósofo divertido

Em nosso encontro anterior falamos um pouquinho de Emil Cioran, um grande filósofo romeno. O perfil desse pensador, para quem não leu nossa última academia, revela um homem triste, amargurado, cheio de queixas e orgulhosamente glorificado pelos outros e para si mesmo como representante maior do pessimismo. Ele se achava o máximo quando diziam que ele era o Pai da amargura. Tem gente que adora ser como o fel.

Hoje, após o encontro amargo com o filósofo biliar, mudamos nosso vetor e vamos ao encontro de Carlos Cansadinho, jovem e irradiante filósofo do planalto conquistense. Trata-se de um pensador local: catingueiro, sorrateiro e matreiro. Totalmente diferente do filósofo da amargura. Diria que o nosso personagem é um cara cheio de bossa. Detentor de um caráter super alegre, não perde o hábito de paquerador. Manso e ao contrário do romeno, totalmente desembestado no campo da esperança. Sempre digo o que ele me disse dele mesmo: Cansadinho vai longe. Aprecio sua coerência. Desde quando o conheci observo, sem surpresa, a fidelidade que conserva em relação aos seus princípios. Por causa disso o vejo permanentemente alegre. Diria que suas convicções são tão arraigadas que mesmo em momentos adversos, nunca vi apagar da alma aquele lampejo que dá luz, calor e força em todas as direções. Ninguém o encontra triste. Morador da Urbis II conserva o hábito de olhar para a serra. É quase inacreditável, mas nos piores momentos ele sorri. Em uma ocasião o flagrei percorrendo com os olhos o Alto do Migdônio e o Bairro Bruno Barcelar. Esperançoso ele disse: “Pior do que está não pode ficar”. Era uma situação meio delicada (cá prá nós). Mas ele nunca acreditou ser impossível vencer. Em seu receituário dizia para os amigos e para si próprio: “é preciso manter a chama acesa porque é ela que estimula a esperança cristã de que um dia as coisas vão melhorar”. Acertou na mosca. Se virou, se mexeu, pulou prá lá, pulou prá cá, subiu colinas, desceu morros e acabou ganhando a disputa.

Encontrei-me com ele em plena Juraci Magalhães. Meteu a mão na buzina com tanta força que quase bati o carro. Passou por mim, parou mais à frente, saltou do Pálio, me olhou, examinou meus olhos e minha careca e disse: Você tá sumido. Fiquei olhando para a figura e notei que os anos não lhe corroeram tanto quanto a mim e a outros companheiros (êpa, eu não sou do PT!). Para me confortar, disse que eu estava bem. O camarada tá redondo e, como sempre, mostrou imensa e contagiante satisfação. Aquela saudável e indescritível alegria natural de um amigo quando encontra outro. Sempre demonstrando contentamento, disse que estava trabalhando e se encontrava em uma situação bem superior à que estava quando nos encontramos da última vez. Felicitei-o por isso.

Como era uma sexta feira e já estávamos nos aproximando das seis da tarde, convidou-me para uma picanha lá em Osvaldo. Evidentemente acompanhada de umas cervejas. Chegamos ao local e pela saudação que o dono da Casa fêz, senti que meu amigo estava com moral. Falou-me dos seus projetos pessoais, dos quatro filhos, sua nova vida profissional e “algumas pessoas” em Conquista que não “valem um centavo”. Não procurei saber os nomes, mas ele, de forma jocosa, brincalhona e irreverente, citou meia dúzia que vou omitir porque são velhas conhecidas da terra. Prá ser sincero, algumas eu até gosto.

Incrível é que mesmo ligeiramente magoado com essas pessoas, ele acabou dizendo que as perdoava porque sabia das suas origens e por isso entendia suas fraquezas. Argumentou: “quando certos caras saem de baixo e vão para um patamar mais elevado, ficam metidos”. “Todos os lascados que conheci, bastou mudar um pouquinho a posição social e logo esqueceram suas origens”. Eu o adverti que comigo não acontecera isso. Ele sorrindo, emendou de primeira: “Paulinho, você continua lascado”. Só aí dei conta que realmente não mudei de posição social, nem econômica, nem financeira, nem nada. Não ganhei dinheiro, não tenho mansão, não tenho ouro, enfim, não tenho luxo. Será por quê?

Pedi-lhe explicação. Ele disse que um sujeito como eu jamais ficaria rico. E começou: “Primeiro você sempre foi mão aberta. Segundo nunca aprendeu a ganhar dinheiro muito. Terceiro, nasceu prá ser lascado”. Quando acabou o resumo, notou certa decepção com as impressões que cravou sobre mim. Para me tranqüilizar, pediu que me conformasse. Em seguida concluiu com uma de suas frases lapidares, cuja intenção era visivelmente aplacar a “inveja” que ele acha que eu tenho dos ricos e poderosos: “Paulinho, tudo que sobe, desce!”. Nisso Osvaldo trouxe mais uma cerveja e quando observei que estávamos na oitava, pedi a conta. Tirei o dinheiro da carteira para cuja conta, ele não esboçou nenhum interesse em dividir o montante. Sorriu, olhou prá mim e disse: “Paga aí, sacana, pelo menos prá isso você sempre teve dinheiro”. Osvaldo também sorriu e eu vim pro Bem Querer, com receio enorme de ser flagrado em uma blitz. Mas que o cara é divertido, isso é. Da próxima vez vou obrigá-lo a arcar com a despesa. Um abraço cordial e até a próxima.

Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.

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