domingo, 13 de setembro de 2009

O grande karaokê

Por Igor Luz, do Revertério

“Quando todo o resto fracassa, comece a escrever”. Esse é o lema de uma escola de letras nova-iorquina, que garante que você vai aprender a manipular as regras fundamentais da literatura sem sacrificar a criatividade. Tudo isso por módicos 400 dólares. Estou pensando em lançar algo parecido aqui em Vitória da Conquista. Com toda a certeza, será um sucesso. A sua lanchonete de pastel e caldo de cana está prestes a falir? Escreva um romance policial. Não conseguiu aprender nada com o curso técnico de enfermagem? Escreva suas memórias. Vai de mal a pior seu trabalho como eletricista? Escreva um livro infantil. Não tem erro. Estou efusivamente entusiasmado com minha esperteza em plagiar uma idéia tão empreendedora.

Ensinar qualquer espécie de arte primária para os conquistenses é extremamente vantajoso por um simples fato: quem chega na cidade tropeça em artistas por toda a parte. Não que tenha alguma coisa que lembre vitalidade cultural. O que há por aqui, na verdade, é puro amadorismo, com centenas e centenas de comerciantes de pasteis e eletricistas falidos que decidem tornar-se, de um dia para o outro, escritores, cantores, pintores, cineastas, malabaristas, dançarinos, atores, poetas. Vitória da Conquista é um grande karaokê. Todo mundo aqui se considera no direito de subir ao palco. A cada esquina esbarramos em um canastrão, pronto para tocar um ou dois acordes de viola ou declamar seu monólogo ridiculamente improvisado. Os conquistenses precisam mesmo de um freio inibitório. Por vezes, extrapolam as barreiras do sensato e exibem todo o amadorismo sem o mínimo de pudor. Um corajoso conhecido como Alex Simpatia envergonhou, em rede nacional, todos os conquistenses que possuem um mínimo de conhecimento artístico. Em contrapartida, deixou alegre e orgulhosa a maioria de analfabetos e o bando de calouro que infesta a cidade.

Eu sei que já impliquei diversas vezes com o Glauber Rocha, mas é bem melhor morar numa cidade conhecida pelo seu cinema macaqueado da França e Inglaterra. A cada ano os conquistenses provam que estão cada vez piores. Primeiro o reconhecimento nacional veio com as músicas de telemensagem da Cídia Luize. Agora o reconhecimento nacional veio com o sorriso do Alex Simpatia. Alguém pode imaginar algo mais vexatório?

Acomodando-se por aqui, pude perceber qual é o maior problema da cultura contemporânea: distinguir o profissional do amador. Em Conquista se reúnem diletantes de diversas regiões, que parodiam todos os estilos artísticos jamais inventados. O cinema tudo bem. Exige dinheiro. Torna-se exatamente fácil separar o profissional do amador. Mas nos outros campos, a diferença é mais tênue. A poesia e a música, por exemplo. Dia desses, num boteco conhecido, um homem começou a recitar versos que pensei ser coisa do Drummond. Só depois fui informado que era coisa inédita. Como estabelecer a diferença entre um e outro? Quem era o cara? Que sei lá eu. Na música é ainda pior. Vira e mexe, encontro uma cópia do Djavan e outro dia eu jurava que a Tetê Espíndola estava no boteco do lado da casa que estou hospedado, cantando Escrito nas Estrelas. Os espetáculos de teatro e dança da cidade são ostensivamente casuais, primários, improvisados. Mas quando chega algo profissional – de fora, logicamente – também me parece casual, primário, improvisado.

Claro que o problema é comigo. Não tenho bom olho para reconhecer uma verdadeira e autêntica arte. Discordo categoricamente, por exemplo, que uma correntinha de coco seja arte. É artesanato. Discordo veemente, por exemplo, que pular alegremente com um guarda-chuva enfeitado seja cultura. Mas isso não vem ao caso. O que coloco aqui é simplesmente que não temos mais autenticidade, criatividade e talento na verdadeira arte. Só temos versões pioradas. Machado de Assis já tinha dito que todas as idéias que circulavam em sua época era um pastiche grosseiro do que os europeus enterraram no século anterior. Ou seja: os artistas brasileiros amadores macaqueiam os profissionais e autênticos desde muito tempo.

Alguns leitores do Revertério já me chamaram de versão piorada do Diogo Mainardi. O que fazer? Discordar? Claro que não. É a mais pura verdade. Conquista não tem porte para ter um Diogo Mainardi: só sua versão piorada. Na escola de literatura que pretendo abrir, espero que apareçam versões pioradas da Clarice, do Machado e da Adélia. Mas não me animo muito com isso. O máximo que conseguiremos por essas bandas é melhorar as rimas das transmutações de músicas internacionais para forrós. Por 400 dólares, ensinarei que existem rimas mais empolgantes do que ‘amor’ e ‘dor’. Há ainda a frustrante expectativa de surgir algum artista original. Mas também não me animarei: logo ele terá uma imagem distorcida e grotesca de sua arte, com algum imitador ruim qualquer. É matemático: enquanto surge um profissional autêntico e verdadeiro, aparecem uns 50 prontos para macaquear. Rasteiramente. Estupidamente. Amadoramente.

Tudo encaminhado para o sucesso da minha empreitada. O único problema só ocorre quando acontece um curto circuito na sua casa. Você vai chamar o eletricista, mas ele estará ocupado escrevendo um livro infantil.



Sobrou um espaço na coluna. Vou usá-lo para agradecer de verdade a professora Maria Marques (mãe do nosso colega reverterista Cauê). Em apenas um mês, ela se mostrou verdadeira mestra. Agora está indo virar doutora em Cinema, na Europa. Meu lado egoísta queria que ela continuasse por aqui nos educando e ensinando. Mas sei que ela tem que ir e espero que tudo ocorra bem por lá. Maria é, acima de tudo, autêntica, goste você ou não. Nós gostamos. O novo professor que vai substituí-la, não precisa de muita coisa para se sair bem. Basta ser a versão piorada dela e já estará de bom grado. Obrigado, professora.



7 comentários:

Unknown disse...

Igor Luz e seus comentários sarcásticos com pitadas de fel e mel aquí e acolá!Excelente artigo!
Quero acrescentar que não é apenas Vitória da Conquista um grande palco para o KARAOKÊ DA VIDA e sim o mundo inteiro!Que o diga Antoine-Laurent de Lavoisier ( NA NATUREZA NADA SE PERDE,NADA SE CRIA,TUDO SE TRANSFORMA ). Neste mundão globalizado tolera-se e aceita-se de tudo que é copiado,imitado,falsificado e transformado descaradamente ao gosto do freguês!No mundo das artes,das idéias,das descobertas e invenções,há sempre um espertinho de plantão para copiar! E vivemos assim, numa boa, neste mundão fake,virtual e real!
E eu nem me incomodo de ser uma versão piorada de um internauta comentarista qualquer!
Valeu Igor! Continue destilando o seu veneno doce e amargo para o deleite de todos nós!Abraços virtuais!

Anônimo disse...

V. da Conquista - Está muito mais propensa a produzir criticos - do que descobrir novos talentos nas artes e em outras atividades humanas. RGS.

Anônimo disse...

Discordo do seu fã, que como você precisam abandonar estes escritos histéricos e sem sentido. Você querer se comparar a uma versão ainda que aml aprimorada do Diogo Mainardi, nem nas suas próximas encarnações. Porém, contudo, todavia compreeendendo que você ainda é um destes pequenos burgueses, que vive longe de papai e de mamãe, acredito que você deva se auto aplicar o dito popular: "O bom filho à casa retorna". Por falar nisto, de onde, você é mesmo, o que você contribui para o crescimento cultural de Vitória da Conquista. Rapazinho vá correndo fazer uma consulta num psiquiatra, e aproveite bem as doses cavalares de Roypinol e Amplictil, que ele deverá com certeza receitar para você. Uma outra sugestão vai para o proprietário do blog, porque ficar publicando tamanhas asneiras, neste blog que acho excelente e leio todos os dias. Você possui colaboradores inteligentes e sensatos, ou será que você os abandonou.

Carlos Silva Ramires.

Anônimo disse...

Quanta ingenuidade Gil - Desta vez o Igor pisou feio no tomate - descaradamente copiou (plagiou) um texto, praticamente na íntegra de Diogo Mainardi sob o título O ENCANADOR E O POETA. Caro Gil, o veneno de Igor é desrespeitoso, inclusive, com os seus parceiros, colegas e colaboradores. Ele está percorrendo um caminho danoso e equivocado. Para Igor gostaria de deixar um conselho você poderá ser brilhante, mas precisa mudar de rumo, copiar algo dos outros é a maior fraqueza do homem. Gil confirme você mesmo - ESCREVA NO GOOGLE "O ENCANADOR E O POETA" que verás a surpresa.
Como é bom ser sensato como este comentário do RGS acima,Abraço.

AFRANIO GARCEZ disse...

Rapaz você ainda tão jovem e com um talento ácido, mas escreve muito bem. Quanto a um comentário constante nesta página, acredito que o Anderson deveria retirá-lo, pois fere o seu direito de expressão, e no seu artigo, você expõe um ponto de vista, e nem sequer cita nome de alguém que eu pelo menos conheça. Mas se não agrada a todos, todos no entanto possuem a obrigação de respietá-lo. Os colaboradores do Blogo do Anderson ao que saiba não foram abondonados, como é o meu caso, apenas eu não fiz minha postagem como costumo fazê-la. Siga em frente e sucesso. A liberdade de expressão existe ainda neste País, embora exista as vivandeiras de plantão querendo com ela acabar.

Dr. Afranio Garcez.

Anônimo disse...

Caro Anderson,

O pseudo-cronista Igor Luz foi vítima de sua profunda arrogância ao apropriar-se de idéia e texto de Diogo Mainardd (publicado na Veja em 31/03/09 sob o título O Encanador e o Poeta). Forasteiro, RESPEITE Vitória da Conquista. Segue texto de Mainard:

Carlos Henrique Sá


O encanador e o poeta

"Quando todo o resto fracassa, comece a escrever." É o lema de uma escola de literatura em Nova York, cujos folhetos publicitários podem ser encontrados em praticamente todas as esquinas da cidade. Chama-se Gotham Writer's Workshop. O curso básico dura apenas dez semanas, uma aula por semana. Preço: 395 dólares. A sua loja de eletrodomésticos importados está prestes a falir? Escreva um romance histórico. O banco penhorou sua casa? Escreva um livro infantil. Vai de mal a pior seu trabalho como encanador? Escreva suas memórias. Os promotores do curso garantem que você vai aprender a manipular as regras fundamentais da literatura sem sacrificar a criatividade, exatamente da mesma maneira que "Picasso dominou a técnica realista antes de pintar abstratos".

Quem vem a Nova York tropeça em artistas por todos os lados. A cidade parece respirar um clima de intensa vitalidade cultural. Engano. O que há aqui, na verdade, é puro amadorismo, com milhares e milhares de comerciantes e encanadores falidos que decidem tornar-se, de um dia para o outro, escritores, pintores ou cineastas. Nova York é um grande karaokê. Todo mundo se considera no direito de subir ao palco. Num restaurante coreano do East Village (Jeollado), projetam filmes realizados pelos moradores do bairro. Assisti a um deles enquanto comia uma panqueca recheada de atum. Difícil compreender do que se tratava. O cinema, porém, tem uma vantagem sobre outras formas artísticas: exige dinheiro. Torna-se relativamente fácil separar o amador do profissional. Em outros campos, a diferença é mais tênue. A poesia, por exemplo. Em Nova York, passei por um bar em que um poeta profissional (Holmes McHenry) lia trechos de seu trabalho. A seguir, os espectadores tomaram-lhe o microfone e começaram a declamar os próprios versos inéditos. Como estabelecer a diferença entre uns e outros? Nas artes plásticas é ainda pior. Porque a linha que separa o amador do profissional foi deliberadamente abolida. Nos últimos dois ou três anos, mais de oitenta galerias de arte se transferiram do Soho para o Chelsea. A mudança de bairro teve um efeito benéfico do ponto de vista urbano, revitalizando uma área deteriorada da cidade, tanto que o preço dos imóveis explodiu. No entanto, quando vi as obras dos artistas expostos nessas galerias (Curtis Mitchell, Joseph Beuys, Thomas Schüte e mais uns vinte ou trinta), tudo era ostensivamente casual, primário, improvisado.

Distinguir o artista profissional do amador constitui o maior problema da cultura contemporânea. Imaginar que o mercado possa cumprir esse papel é um erro. O mercado é sempre conservador. Confiar em organismos institucionais como a universidade ou a imprensa é igualmente arriscado, pois professores e jornalistas também costumam ser artistas diletantes. No final das contas, acho que a única alternativa para o artista profissional é tentar servir-se do amador. O artista amador macaqueia o profissional, oferecendo-lhe, ainda que involuntariamente, uma imagem distorcida, grotesca de sua arte. Ao se ver caricaturado, o profissional se sente obrigado a abandonar o que vinha fazendo e a criar uma nova maneira de se exprimir. Nesse ponto, nenhum lugar é mais estimulante do que Nova York. Aqui se reúnem diletantes do mundo inteiro, que parodiam todos os estilos artísticos jamais inventados. A dificuldade só ocorre quando entope o ralo do banheiro. Você chama o encanador, mas ele está ocupado escrevendo suas memórias.

Anônimo disse...

Anderson, já vi coisas melhores por aqui. Mas depois de ler a última parte do texto, entendi a arrogância do pretenso Mainardi e nunca tive tanta certeza do ditado: "me diga com quem andas, que direi quem tu és!"