domingo, 4 de outubro de 2009

Bahia põe logo do governo em orelhas de cabras e bodes

Animais integram programa social que tenta melhorar qualidade do rebanho

Oposição vê campanha publicitária em ação do governo Wagner; neste ano, R$ 8,5 milhões já foram gastos com o projeto

Sérgio Torres, Folha de S.Paulo

O governo Jaques Wagner (PT) difunde seu lema e sua logomarca em brincos pregados nas orelhas de 26.640 cabras, bodes, ovelhas e carneiros distribuídos neste ano a 5.505 famílias de pequenos criadores que moram em municípios pobres da Bahia.

Já apelidado de Cabra Família, em alusão ao Bolsa Família do governo Lula, o programa Sertão Produtivo se propõe a melhorar a qualidade do rebanho caprino e ovino do Estado.

Famoso na região do semiárido, onde mora a maioria dos beneficiados pelo programa, o brinco é amarelo, com letras em tom escuro.

Feito com material plástico, o adorno traz escrita a frase "Terra de todos nós", antecedido de "Governo da Bahia", em letras grandes, e precedido de "Secretaria de Agricultura" e "Suaf", sigla da Superintendência de Agricultura Familiar, criada por Wagner.

"Governo da Bahia - Terra de todos nós" é o lema da administração petista, iniciada em janeiro de 2007. No alto do brinco, ao lado do lema, aparece a logomarca do governo: um triângulo de lados desiguais, como a vela das tradicionais embarcações que singram o litoral baiano.

A logomarca e o lema já são bastante conhecidos na Bahia. Estão em outdoors, laterais de carros públicos, bonés distribuídos ao funcionalismo e fachada de obras -como na sede da empresa de turismo do Estado, a Bahiatursa, ao lado do elevador Lacerda, atração turística de Salvador.

Para prender o brinco, técnicos do governo furam a orelha dos animais, como se faz com seres humanos. Na face do adorno voltada para o couro, de visualização difícil, aparece uma numeração, registro oficial da inscrição daquele caprino ou ovino no programa.

Com um nome novo, o Sertão Produtivo deu continuidade e ampliou o projeto Cabra Forte, criado na gestão de Paulo Souto (DEM), antecessor de Wagner. A proposta do governo é, até o final deste ano, ter distribuído cerca de 38.265 caprinos e ovinos para 7.560 famílias em 128 dos 417 municípios baianos.

A oposição considera que o governo faz campanha publicitária ao fixar brincos com marcas da gestão petista em animais doados a famílias carentes, moradoras das cidades de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo no Estado, na região do semiárido, assolada por secas.

Em Salvador, o ex-governador mostrou fotos de cabras e bodes com brincos em recentes reuniões políticas. Paulo Souto disse, na ocasião, estar indignado. À Folha o deputado federal Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) afirmou considerar "ridícula" e "surreal" a colocação do lema e da logomarca em objetos presos a cabras, bodes, ovelhas e carneiros.

"Se não fosse trágico, seria cômico. Porque enquanto faltam recursos para a polícia dar segurança à população, faltam médicos nos hospitais, faltam professores nas escolas, sobra dinheiro para o governo fazer propaganda e divulgar sua marca inclusive em animais."

A distribuição é feita por quatro empresários e três empresas e associações que venceram, no ano passado, concorrência do governo. A Secretaria de Agricultura do informa que já foram gastos R$ 8,5 milhões dos cerca de R$ 12 milhões orçados até o fim do ano.

Criadores dizem que animais têm qualidade ruim
DO ENVIADO A ARACI (BA)

Pequenos criadores no semiárido baiano reclamam dos animais recebidos. Muitos dizem que tinham em seus rebanhos bodes, cabras, ovelhas e carneiros de melhor qualidade que os doados pelo governo.

Em Araci (210 km de Salvador), os beneficiados recusaram em janeiro 150 animais da Secretaria de Agricultura.

"Não aceitamos. A criação era péssima. A gente achava que ia melhorar", afirmou Jonas de Oliveira, presidente do Centro Comunitário Beneficente do Distrito de Fubá.
O segundo lote chegou em setembro. "Também veio ruim, mas aceitamos. Fazer o quê? Ficamos com medo de não vir outra criação", disse.

O criador Osvaldo dos Santos Ferreira contou que as cinco cabras que recebeu "chegaram fracas, acabadas, cheias de verme"."Uma pariu dois cabritos que morreram logo depois".

A falta de orientação técnica prevista no edital do programa é outra reclamação. Os criadores de Araci falam que não foram instruídos sobre como estocar alimentos na seca e como, na época das chuvas, plantar espécies para o consumo na entressafra, como palma e sorgo.

Sem infraestrutura, dizem os criadores, a tendência é que o rebanho doado continue subnutrido e venha a morrer, como acontece com parte do rebanho convencional.
Em Santa Bárbara (150 km de Salvador), foco de criação de ovinos, o pecuarista Onelito Silva, 50, não reclama. "Já criava ovelhas. Essas estão me satisfazendo", diz.

Nova na criação de ovinos, Maria Anita Maia, da cidade de Tanquinho (150 km da capital baiana), disse que recebeu assistência técnica e montou silos para estocar alimentos.

"Resolvi entrar [no programa] porque estava precisando. A gente não podia comprar, nunca tivemos condições de criar", afirmou.

Outro lado

Brincos não têm objetivo eleitoral, afirma secretário
DO ENVIADO A ARACI (BA)

O secretário de Agricultura da Bahia, Roberto Muniz, disse que a ideia de "brincar" (colocar brincos) os animais decorreu da necessidade de diferenciar os doados daqueles que já habitavam as propriedades.

Para ele, os brincos com a logomarca e o lema do governo Jaques Wagner não representam propaganda política nem têm objetivo eleitoral. "É para marcar aqueles animais selecionados." Filiado ao PP e deputado estadual licenciado, Muniz, 45, diz que o programa Sertão Produtivo é bem mais amplo do que o que havia no governo Paulo Souto (DEM). "Era um programa reduzido."

Sobre a queixa de criadores que recusaram animais doentes, o secretário afirmou que foram as comissões de triagem do Estado e prefeituras que identificaram o problema.
O programa prevê o fornecimento a famílias carentes de cinco cabras ou ovelhas mestiças, mais a entrega, a até cinco famílias, de um bode ou carneiro reprodutor, de raça pura.

O objetivo é que haja, em até três anos, a melhoria genética das crias. Assim, os animais serão mais corpulentos, terão mais carne e produzirão mais leite, com maior valor nutritivo.

Inicialmente, é um projeto de subsistência, para consumo próprio e pequenas negociações. Se houver êxito, o secretário previu um mercado maior, que permita aos pecuaristas aumento na renda familiar.

O programa prevê que as famílias beneficiadas terão que, em 18 meses, devolver o mesmo número de animais, preferencialmente crias, para nova distribuição a famílias ainda não assistidas. (ST)






2 comentários:

AFRANIO GARCEZ disse...

Se tudo isso que é relatado nesta matéria for realmente verdade, eu que acho o Governador Wagner um democrata, passo a vê-lo de outra forma, pois o que está fazendo constitui crime, e é antecipação da campanha eleitoral do próximo ano. O sertanejo não precisa de esmolas, precisa sim é de incentivo, com pequenas intervenções que os ajudem a melhorar a condição de vida. Açudes, barragens, energia eletríca, saúde, mais escolas, financiamentos sem burocracia, isto sim é o que precisa ser feito. Mas como desde a época do Imperador Dom Pedro II, que numa visita ao nordeste, mais precisamente aqui na Bahia, disse que se fosse o caso venderia até a sua coroa repleta de pedras preciosas para sanar tais problemas, e não o fez, porque o sertanejo haverá de esperar por soluções para os seus problemas agora. Sei que é uma tarefa díficil, porém não impossível, é somente ter vontade política. A proposíto, já foi iniciada a restauração da estrada Vitória da Conquista a Brumado. Não ao que eu sei. Ficou somente naquela estória de assinar contrato autorizando a realização de tão importante obra, numa rodovia importante para todo o sudoeste, e para a nossa cidade, e enquanto isso vidas tem sido ceifadas. Afranio Garcez.

Anônimo disse...

A propaganda é tão ou mais importante do que obra - Esta, obrigação de todo administrador público.O populismo, é algo muito perigoso para a democracia.