Cynara Menezes, Revista Carta Capital
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Da última vez que a tapioca apareceu no noticiário foi um bafafá daqueles. No ano passado, o ministro (baiano, por sinal) Orlando Silva, do Esporte, virou alvo da CPI dos Cartões Corporativos após ser revelado que usou uns caraminguás de sua cota para comprar um beiju recheado com queijo de coalho. A comissão de inquérito ganhou até o apelido de CPI da Tapioca, em homenagem à irrelevância da investigação legislativa.
Os maus dias da fécula da brasileiríssima raiz, matéria-prima dos tentadores beijus, chegaram ao fim. E vem justamente da Bahia a sua redenção. Uma empresa de Vitória da Conquista, cidade a 520 quilômetros de Salvador, está fazendo sucesso com uma granola que substitui os tradicionais flocos de milho pela tapioca torradinha, item frequente do desjejum baiano há séculos, sobretudo no interior do estado, mas que só agora começa a ser descoberta no Sul e Sudeste do País – aparentemente mais afeitos a americanófilos brunches e breakfasts do que ao cuscuz de milho, inhame, fruta-pão e congêneres das mesas nordestinas.
Desde que chegou ao Rio, no fim do ano passado, servida no café da manhã pelo badalado restaurante e empório Garcia&Rodrigues, a granola Tia Sônia dá mais o que falar no Leblon do que as novelas de Manoel Carlos. A atriz Débora Bloch andou dizendo em entrevista que está viciada em Tia Sônia. De tão impressionada, depois de experimentar o crocante acepipe em terras cariocas, a jornalista paulistana Alessandra Blanco, do blog de guloseimas Comidinhas, decretou que se trata da “melhor granola do mundo”. E o chef do Garcia&Rodrigues, Christophe Lidy, conta que Tia Sônia agradou tanto à clientela que está planejando desenvolver outros produtos em parceria com a fábrica baiana.
O francês Lidy diz não saber exatamente o que a diferencia dos outros milhares de granolas produzidos no Rio, capital onde há uma loja de sucos de frutas a cada esquina e onde a dupla granola-açaí fez a fama. “A Tia Sônia é muito boa, crocante, saborosa. Não sei explicar por que, mas é melhor do que as outras”, opina o chef. O segredo? Não é preciso ser nenhum gourmet para detectar, por trás de ingredientes tradicionais como os flocos de aveia, as passas, o gérmen de trigo e a castanha-de-caju, o sabor inconfundivelmente crocante da tapioca tostada.
“Não é só a tapioca, usamos também rapadura. Em geral, os produtores de granola preferem usar açúcar branco ou mascavo”, revela o diretor da fábrica, Marcos Fenício, o Quio, não muito preocupado em fazer de sua fórmula um segredo à Coca-Cola. “Nosso diferencial é que fazemos um produto com gostinho artesanal, com sabor nordestino, uma espécie de ‘corn flakes’ local”, ensina.
O engenheiro agrônomo Quio, que sempre tentou fugir do destino implícito no sobrenome e na família de comerciantes, teve a ideia de viver de granola depois de uma viagem a Machu Picchu, no Peru. Como ia fazer a trilha inca, com quatro dias de caminhada a pé, a mãe, Sônia, preocupada, resolveu preparar uma matulinha para ele beliscar durante o trajeto.
Parêntese. Algum dia ainda entrará para o anedotário mundial das mães, do qual fazem parte com louvor as judias e as italianas, a mãe baiana e seus exageros culinários.
Pois Sônia preparou nada menos que 6 quilos de granola para o filho levar na aventura andina, o que fez efeito contrário ao desejado. “Poxa, mainha, aí é que eu vou morrer de dor nas costas”, disse Marcos, que não teve outro remédio senão sair distribuindo saquinhos entre os amigos que iam fazer o mesmo percurso. De quebra, durante a viagem, Quio encheu o papo dos gringos que encontrou pela trilha inca com a mistura de cereais, uma receita herdada dos bisavós maternos.
Ao voltar do Peru, ele começou a ser cobrado pelos amigos. “Rapaz, cadê a granola?” Na cozinha da casa da mãe, e sob a supervisão de Sônia, nascia a nova estrela baiana, moreninha e gostosa. Originalmente, a granola feita por Sônia levava apenas tapioca e coco torrados, amendoim e flocos de aveia, que ela costumava tomar com leite quando criança. “Marcos incrementou a receita dos meus avós, com quem eu fui criada”, conta a matriarca. Como ela era diretora de escola e já era chamada assim pelos alunos, na hora de dar nome à coisa, alguém sugeriu: “Bota Tia Sônia, bicho”. Pegou.
O mais curioso é que a Sônia real pouco tem a ver com a velhinha simpática de cabelos brancos e coque que aparece na embalagem. Vaidosa aos 70 anos, a inventora da granola com tapioca não é nenhuma dona Benta, como a ilustração dá a entender. “Minha mãe é uma velhinha arretada”, confidencia o filho. “Eu estou inteira. Sou meio gordinha, mas não é aquela coisa mole, não”, brinca a mãe.
De 1996 para cá, o negócio familiar prosperou incrivelmente. Da cozinha de casa passou para a garagem e daí para uma fábrica própria com quase 2 mil metros quadrados de área, onde são produzidas 50 toneladas de granola por mês. O principal mercado consumidor é o baiano, seguido de Brasília e das capitais do Nordeste, com exceção do Piauí. No Rio, como há muita oferta e o produto local é bem mais barato, foi preciso o empurrãozinho dos supermercados da zona sul para conseguir penetrar. Em São Paulo, só é encontrada em poucos pontos de venda atualmente.
Depois de conquistar cariocas e paulistas, Tia Sônia quer chegar aos países do Mercosul com suas barrinhas de cereais, que Fenício garante também ter um diferencial em relação às demais. “Algumas marcas aumentaram a quantidade de flocos de arroz na receita, para baratear os custos. A nossa tem frutas desidratadas e castanhas. É a mais cara do mercado, mas é a mais gostosa”, gaba-se o baiano.
E o Brasil não perde por esperar. Vem aí a maior invenção recente da indústria, desde que a água de coco foi engarrafada: o grupo pretende lançar nos supermercados a tapioquinha torrada com coco, maravilha da culinária da Bahia até hoje restrita aos nativos, e que deve ser servida, preferencialmente, acompanhada de banana-da-terra frita.
Os maus dias da fécula da brasileiríssima raiz, matéria-prima dos tentadores beijus, chegaram ao fim. E vem justamente da Bahia a sua redenção. Uma empresa de Vitória da Conquista, cidade a 520 quilômetros de Salvador, está fazendo sucesso com uma granola que substitui os tradicionais flocos de milho pela tapioca torradinha, item frequente do desjejum baiano há séculos, sobretudo no interior do estado, mas que só agora começa a ser descoberta no Sul e Sudeste do País – aparentemente mais afeitos a americanófilos brunches e breakfasts do que ao cuscuz de milho, inhame, fruta-pão e congêneres das mesas nordestinas.
Desde que chegou ao Rio, no fim do ano passado, servida no café da manhã pelo badalado restaurante e empório Garcia&Rodrigues, a granola Tia Sônia dá mais o que falar no Leblon do que as novelas de Manoel Carlos. A atriz Débora Bloch andou dizendo em entrevista que está viciada em Tia Sônia. De tão impressionada, depois de experimentar o crocante acepipe em terras cariocas, a jornalista paulistana Alessandra Blanco, do blog de guloseimas Comidinhas, decretou que se trata da “melhor granola do mundo”. E o chef do Garcia&Rodrigues, Christophe Lidy, conta que Tia Sônia agradou tanto à clientela que está planejando desenvolver outros produtos em parceria com a fábrica baiana.
O francês Lidy diz não saber exatamente o que a diferencia dos outros milhares de granolas produzidos no Rio, capital onde há uma loja de sucos de frutas a cada esquina e onde a dupla granola-açaí fez a fama. “A Tia Sônia é muito boa, crocante, saborosa. Não sei explicar por que, mas é melhor do que as outras”, opina o chef. O segredo? Não é preciso ser nenhum gourmet para detectar, por trás de ingredientes tradicionais como os flocos de aveia, as passas, o gérmen de trigo e a castanha-de-caju, o sabor inconfundivelmente crocante da tapioca tostada.
“Não é só a tapioca, usamos também rapadura. Em geral, os produtores de granola preferem usar açúcar branco ou mascavo”, revela o diretor da fábrica, Marcos Fenício, o Quio, não muito preocupado em fazer de sua fórmula um segredo à Coca-Cola. “Nosso diferencial é que fazemos um produto com gostinho artesanal, com sabor nordestino, uma espécie de ‘corn flakes’ local”, ensina.
O engenheiro agrônomo Quio, que sempre tentou fugir do destino implícito no sobrenome e na família de comerciantes, teve a ideia de viver de granola depois de uma viagem a Machu Picchu, no Peru. Como ia fazer a trilha inca, com quatro dias de caminhada a pé, a mãe, Sônia, preocupada, resolveu preparar uma matulinha para ele beliscar durante o trajeto.
Parêntese. Algum dia ainda entrará para o anedotário mundial das mães, do qual fazem parte com louvor as judias e as italianas, a mãe baiana e seus exageros culinários.
Pois Sônia preparou nada menos que 6 quilos de granola para o filho levar na aventura andina, o que fez efeito contrário ao desejado. “Poxa, mainha, aí é que eu vou morrer de dor nas costas”, disse Marcos, que não teve outro remédio senão sair distribuindo saquinhos entre os amigos que iam fazer o mesmo percurso. De quebra, durante a viagem, Quio encheu o papo dos gringos que encontrou pela trilha inca com a mistura de cereais, uma receita herdada dos bisavós maternos.
Ao voltar do Peru, ele começou a ser cobrado pelos amigos. “Rapaz, cadê a granola?” Na cozinha da casa da mãe, e sob a supervisão de Sônia, nascia a nova estrela baiana, moreninha e gostosa. Originalmente, a granola feita por Sônia levava apenas tapioca e coco torrados, amendoim e flocos de aveia, que ela costumava tomar com leite quando criança. “Marcos incrementou a receita dos meus avós, com quem eu fui criada”, conta a matriarca. Como ela era diretora de escola e já era chamada assim pelos alunos, na hora de dar nome à coisa, alguém sugeriu: “Bota Tia Sônia, bicho”. Pegou.
O mais curioso é que a Sônia real pouco tem a ver com a velhinha simpática de cabelos brancos e coque que aparece na embalagem. Vaidosa aos 70 anos, a inventora da granola com tapioca não é nenhuma dona Benta, como a ilustração dá a entender. “Minha mãe é uma velhinha arretada”, confidencia o filho. “Eu estou inteira. Sou meio gordinha, mas não é aquela coisa mole, não”, brinca a mãe.
De 1996 para cá, o negócio familiar prosperou incrivelmente. Da cozinha de casa passou para a garagem e daí para uma fábrica própria com quase 2 mil metros quadrados de área, onde são produzidas 50 toneladas de granola por mês. O principal mercado consumidor é o baiano, seguido de Brasília e das capitais do Nordeste, com exceção do Piauí. No Rio, como há muita oferta e o produto local é bem mais barato, foi preciso o empurrãozinho dos supermercados da zona sul para conseguir penetrar. Em São Paulo, só é encontrada em poucos pontos de venda atualmente.
Depois de conquistar cariocas e paulistas, Tia Sônia quer chegar aos países do Mercosul com suas barrinhas de cereais, que Fenício garante também ter um diferencial em relação às demais. “Algumas marcas aumentaram a quantidade de flocos de arroz na receita, para baratear os custos. A nossa tem frutas desidratadas e castanhas. É a mais cara do mercado, mas é a mais gostosa”, gaba-se o baiano.
E o Brasil não perde por esperar. Vem aí a maior invenção recente da indústria, desde que a água de coco foi engarrafada: o grupo pretende lançar nos supermercados a tapioquinha torrada com coco, maravilha da culinária da Bahia até hoje restrita aos nativos, e que deve ser servida, preferencialmente, acompanhada de banana-da-terra frita.
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