Feliz infeliz
O Brasil é um país feliz e infeliz. Feliz pelo povo, território, natureza, miscigenação, tolerância religiosa (alguns me contestarão), culinária, música, etc.etc. Infeliz pela falta de planejamento estratégico, pela história dos nossos exploradores, pelos ciclos econômicos devastadores, pelas instituições falidas, pelos oportunistas de plantão, pelos políticos corruptos (só os corruptos), pelas políticas públicas desastrosas, pela ganância de nossas elites, pela ignorância do nosso povo, pelas injustiças sociais, pelos desequilíbrios regionais, pela urbanização sem planejamento, e para não me alongar mais, pela consolidação de uma burguesia papagaia que aqui se instalou desde a chegada de Dom João VI. As vicissitudes dessa burguesia nos levaram a construir uma sociedade com mentalidade imitativa, sem personalidade e cheia de complexos e recalques. Chegamos a reverberar por longo tempo que somos uma Nação atrasada porque quem nos colonizou foram os portugueses. Só prá lembrar diria que a Inglaterra colonizou a Nigéria e a França colonizou a Argélia, e, convenhamos, nenhum desses dois países [Argélia e Nigéria] está no rol das grandes Nações.
Nas primeiras décadas do século 19, nossa burguesia idiota queria porque queria ser francesa. Tudo que acontecia em Paris reproduzia-se no Rio de Janeiro. Se uma madame ou uma rapariga de prestígio na bela capital européia lançasse uma moda, imediatamente nossa “sociedade” tratava de reproduzi-la por aqui. Usava-se o modelo que estava na moda no inverno de lá, mesmo que aqui estivéssemos em pleno verão. Segundo os melhores relatos, não era difícil encontrar madames se derretendo de calor nas ruas do Rio de Janeiro. Ostentavam-se indumentárias com tanta arrogância que não estavam nem aí para o papel ridículo que faziam. Na entrada [e dentro] da Confeitaria Colombo, na Rua do Ouvidor, só se ouviam os comentários das dondocas: “em Paris é assim, em Paris estão fazendo tal coisa, em Paris estão usando isso, etc.etc.”. Um colonialismo psicossocial comportamental dos mais desavergonhados. Explicitávamos falta de identidade sem a menor cerimônia. Estávamos com trezentos e tantos anos de fundação e ainda não havíamos encontrado nosso caráter. Também pudera: a Nação não se conhecia. Só tivemos nosso primeiro jornal por volta de 1816, imaginem. Em verdade, éramos um povo Macunaíma [alguns insistem que não deixamos de ser].
Ao passar dos anos, a França foi perdendo prestígio geopolítico, cultural e econômico. Quando demos conta disso, elegemos outro povo e outra Nação para imitar. Imitar mal, como ocorre sempre a quem dispensa o natural. No caso, nosso modelo preferido foram os Estados Unidos da América. Mestre Ariano Suassuna assinala que assim que nos livramos dos franceses, ficamos loucos para virar norte-americanos. Sim senhor. Agora chegou a vez de imitar os filhos de Tio Sam. O diabo é que mais uma vez, nos tornamos péssimos imitadores. Primeiro pelos motivos mais primários da antropologia e da sociologia. Depois, porque nos perdemos voluntária ou involuntariamente num emaranhado de equívocos e imoralidades republicanas. Imoralidades essas que nos atingiram no âmbito pessoal e social. Principalmente quando constatamos o que fizeram [e ainda fazem] as elites convocadas para tratar com a administração pública (seja no Império, seja na República). Descalabro por cima de descalabro. Dificilmente encontraremos na História Mundial tanta gente sem vergonha para lidar com o patrimônio e o tesouro público. Mutretas e maracutaias uma em cima da outra.
Como é que uma joça como essa poderia dar certo? Não tem caráter, jogou fora a ética e abandonou o compromisso de só legitimar procedimentos de indiscutível cunho moral. Nossos legisladores não entendem o País, nosso judiciário vai na mesma direção e o nosso executivo, sempre tendo à frente um bando de espertalhões entende tanto que enrola o Congresso e o Supremo com inquestionáveis dissimulações. A tal Medida Provisória substitui o Legislativo e Judiciário de tal modo que até o povo brasileiro pergunta se realmente é necessária a existência do Congresso Nacional. E tome-lhe medida provisória, tome-lhe medida provisória. Os legisladores quando abrem os olhos não conseguem fazer nada: A pauta das Casas Legislativas está trancada pela quantidade de medidas. Aí é um Deus nos acuda. A oposição berra, esperneia, vocifera, mas ao final recebe uns mimos do governo e acaba se rendendo às blandícias palacianas.
O fato é que nosso projeto nacional [?] foi e continua sendo mal estruturado. Por causa disso todo mundo [que pode] tira proveito. O único que não se beneficia da bagunça é o Povo. Este nasceu prá sofrer e levar chumbo [ou fumo?]. Um caminhão que passou há poucos dias pela Avenida Integração trazia em seu pára-choque a seguinte inscrição: “Povo é igual papel higiênico, quando não tá enrolado tá na merda!”. Isso mesmo. Nosso povo tá sempre enrolado. Você queria o quê? O povo brasileiro é uma entidade que só passou a existir há 79 anos. Até 1930 os poderes nacionais ignoravam a existência de um Povo no Brasil. Só quando Doutor Getúlio assumiu (dando um golpe em Washington Luis) é que foi proclamada a existência dessa entidade. Apesar da observação do Sr. Lévy Strauss de que éramos, à época, um povo infeliz, estamos mais para feliz do que infeliz. Inda bem. Quanto a mim, que sou do Povo, também me sinto assim: Ora feliz, ora infeliz. Mas a gente chega lá. Todo otimista é um sujeito mal informado. Um abraço cordial e até a próxima. Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.
O Brasil é um país feliz e infeliz. Feliz pelo povo, território, natureza, miscigenação, tolerância religiosa (alguns me contestarão), culinária, música, etc.etc. Infeliz pela falta de planejamento estratégico, pela história dos nossos exploradores, pelos ciclos econômicos devastadores, pelas instituições falidas, pelos oportunistas de plantão, pelos políticos corruptos (só os corruptos), pelas políticas públicas desastrosas, pela ganância de nossas elites, pela ignorância do nosso povo, pelas injustiças sociais, pelos desequilíbrios regionais, pela urbanização sem planejamento, e para não me alongar mais, pela consolidação de uma burguesia papagaia que aqui se instalou desde a chegada de Dom João VI. As vicissitudes dessa burguesia nos levaram a construir uma sociedade com mentalidade imitativa, sem personalidade e cheia de complexos e recalques. Chegamos a reverberar por longo tempo que somos uma Nação atrasada porque quem nos colonizou foram os portugueses. Só prá lembrar diria que a Inglaterra colonizou a Nigéria e a França colonizou a Argélia, e, convenhamos, nenhum desses dois países [Argélia e Nigéria] está no rol das grandes Nações.
Nas primeiras décadas do século 19, nossa burguesia idiota queria porque queria ser francesa. Tudo que acontecia em Paris reproduzia-se no Rio de Janeiro. Se uma madame ou uma rapariga de prestígio na bela capital européia lançasse uma moda, imediatamente nossa “sociedade” tratava de reproduzi-la por aqui. Usava-se o modelo que estava na moda no inverno de lá, mesmo que aqui estivéssemos em pleno verão. Segundo os melhores relatos, não era difícil encontrar madames se derretendo de calor nas ruas do Rio de Janeiro. Ostentavam-se indumentárias com tanta arrogância que não estavam nem aí para o papel ridículo que faziam. Na entrada [e dentro] da Confeitaria Colombo, na Rua do Ouvidor, só se ouviam os comentários das dondocas: “em Paris é assim, em Paris estão fazendo tal coisa, em Paris estão usando isso, etc.etc.”. Um colonialismo psicossocial comportamental dos mais desavergonhados. Explicitávamos falta de identidade sem a menor cerimônia. Estávamos com trezentos e tantos anos de fundação e ainda não havíamos encontrado nosso caráter. Também pudera: a Nação não se conhecia. Só tivemos nosso primeiro jornal por volta de 1816, imaginem. Em verdade, éramos um povo Macunaíma [alguns insistem que não deixamos de ser].
Ao passar dos anos, a França foi perdendo prestígio geopolítico, cultural e econômico. Quando demos conta disso, elegemos outro povo e outra Nação para imitar. Imitar mal, como ocorre sempre a quem dispensa o natural. No caso, nosso modelo preferido foram os Estados Unidos da América. Mestre Ariano Suassuna assinala que assim que nos livramos dos franceses, ficamos loucos para virar norte-americanos. Sim senhor. Agora chegou a vez de imitar os filhos de Tio Sam. O diabo é que mais uma vez, nos tornamos péssimos imitadores. Primeiro pelos motivos mais primários da antropologia e da sociologia. Depois, porque nos perdemos voluntária ou involuntariamente num emaranhado de equívocos e imoralidades republicanas. Imoralidades essas que nos atingiram no âmbito pessoal e social. Principalmente quando constatamos o que fizeram [e ainda fazem] as elites convocadas para tratar com a administração pública (seja no Império, seja na República). Descalabro por cima de descalabro. Dificilmente encontraremos na História Mundial tanta gente sem vergonha para lidar com o patrimônio e o tesouro público. Mutretas e maracutaias uma em cima da outra.
Como é que uma joça como essa poderia dar certo? Não tem caráter, jogou fora a ética e abandonou o compromisso de só legitimar procedimentos de indiscutível cunho moral. Nossos legisladores não entendem o País, nosso judiciário vai na mesma direção e o nosso executivo, sempre tendo à frente um bando de espertalhões entende tanto que enrola o Congresso e o Supremo com inquestionáveis dissimulações. A tal Medida Provisória substitui o Legislativo e Judiciário de tal modo que até o povo brasileiro pergunta se realmente é necessária a existência do Congresso Nacional. E tome-lhe medida provisória, tome-lhe medida provisória. Os legisladores quando abrem os olhos não conseguem fazer nada: A pauta das Casas Legislativas está trancada pela quantidade de medidas. Aí é um Deus nos acuda. A oposição berra, esperneia, vocifera, mas ao final recebe uns mimos do governo e acaba se rendendo às blandícias palacianas.
O fato é que nosso projeto nacional [?] foi e continua sendo mal estruturado. Por causa disso todo mundo [que pode] tira proveito. O único que não se beneficia da bagunça é o Povo. Este nasceu prá sofrer e levar chumbo [ou fumo?]. Um caminhão que passou há poucos dias pela Avenida Integração trazia em seu pára-choque a seguinte inscrição: “Povo é igual papel higiênico, quando não tá enrolado tá na merda!”. Isso mesmo. Nosso povo tá sempre enrolado. Você queria o quê? O povo brasileiro é uma entidade que só passou a existir há 79 anos. Até 1930 os poderes nacionais ignoravam a existência de um Povo no Brasil. Só quando Doutor Getúlio assumiu (dando um golpe em Washington Luis) é que foi proclamada a existência dessa entidade. Apesar da observação do Sr. Lévy Strauss de que éramos, à época, um povo infeliz, estamos mais para feliz do que infeliz. Inda bem. Quanto a mim, que sou do Povo, também me sinto assim: Ora feliz, ora infeliz. Mas a gente chega lá. Todo otimista é um sujeito mal informado. Um abraço cordial e até a próxima. Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.
2 comentários:
Amigo Paulo,
Isto não é simplesmente uma crônica... é muito mais que isso - UMA AULA e com letras bem maiúsculas. O povo brasileiro só passou a existir mesmo depois de 1930, já que os poderes nacionais ignoravam a nossa existência, enquanto Povo. Como otimista que sou tenho esperança que nossos descendentes alcancem a verdadeira felicidade, ou melhor, a verdadeira liberdade.
Abraços,
Ezequiel Sena
Paulo, como eu gostaria de ser um camarada otimista! Como o estágio em que me encontro não mo permite, de vez em quando eu vou fazendo ouvido de mercador; e enquanto a visão, nem de soslaio de vez em quando, eu me atrevo procurar ver, pois, só assim eu posso pensar que sou feliz. Ser infeliz, é uma questão de opção, neste caso resta-nos jogar como a POLYANA. Abraços!
Francisco - Curitiba-PR
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