segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Acredite se quiser


Jeremias Macário
Vitória da Conquista – Bahia

Não é mentira não. Eu vi... Eu vi com os meus olhos que a terra há de comer. Andava a sós de estilingue, ou botoque, como queira, no meio da floresta, caçando aves, quando repentinamente ouvi o sussurrar de um gemido; alguma coisa que arquejava como se estivesse na hora da morte.
Com medo e assustado, procurei me proteger atrás de uma moita e olhar pelas gretas das folhas donde afinal vinha o tal gemido baixo e contorcido. Não bastou muito tempo e enxerguei um homem esquisito que enfiava num pato, goela abaixo, de um lado e do outro, um alicate grande de ponta arredondada. Quando não penetrava bem, ele mudava de posição e o animal se contorcia, mas como que facilitando para que aquela ferramenta entrasse sem feri-lo mortalmente.


Não pude ver bem a face daquele homem que me deu pavor e, ao mesmo tempo, me deixou perplexo por estar presenciando coisa tão estranha. Aquele alicate era como se estivesse entrando em mim e penetrando nas minhas entranhas. Coisa horrível e do outro mundo. E eu comecei a perguntar a mim mesmo: o que ele está fazendo: E o que procura no ventre do animal?
Mas, o mais curioso era que o animal não estava morto e parecia aceitar todo aquele tormento como se orientasse ao homem a melhor posição para enfiar o alicate na sua barriga. Pato, pomba ou carneiro, não dava bem para distinguir.
De tanto virar e revirar de posição, o "operador ou cirurgião" conseguiu penetrar bem a ferramenta até o fundo do abdomem. Foi então que ele ouviu uma voz frágil, bem baixa, de um minúsculo ser humano, vinda lá das entranhas: Estou aqui... Estou aqui... Aquela voz deu para eu também ouvir, mas como se estivesse no além. O homem "operador" perguntava: Aonde? e a criatura continuava dizendo: Estou aqui. mais na frente. E foi numa daquelas tentativas que a ferramenta tocou na criatura que pediu socorro na barriga daquele animal. Rapidamente pulou para fora uma criaturinha franzina do tamanho de um palito, ou um pouco menor. Encarou bem o seu "cirurgião" e depois ganhou a floresta, sem nada dizer, numa rapidez maior que o vento. Aguçou a minha curiosidade como repórter. Perdi o medo e para não perder o homem e o animal que ainda estavam ali, num instante me apresentei ao tal "operador". Fui logo lhe dizendo: Uma reportagem sobre a sua ação lhe fará famoso no mundo inteiro.
Mas ele foi logo negando e disse que não podia aparecer, e mais ainda: Que a fama é uma coisa que faz nascer de novo, mas também lhe impede de viver. Além do mais, ele indagou: Quem vai acreditar na sua história, na sua reportagem?
O homem se virou e fechou a barriga do animal de um lado para o outro e, imediatamente as partes forram se unindo. Foi aí que vi melhor e percebi que se tratava de um carneiro que não estava morto, apesar de deitado e aberto. O animal se virou de um lado para o outro e não mais pude vê-lo. Sumiu... Perguntei: E a criatura? Que estava fazendo na barriga do animal e como foi parar ali? E como isalou tão rapidamente? Disse-me apenas que a criatura estava na barriga do pato, ou aliás, do carneiro, para fugir do leão. E que sempre vive assim de tanto medo.
O tal homem não quis contar sobre o seu trabalho. De onde Veio e para onde ia e tampouco como conseguiu fazer tudo aquilo, sem provocar mortes e salvar a ambos do maldito leão. Afirmou apenas que o carneiro era o melhor animal para se fazer aquele tipo de serviço'. Ele aceita e ainda facilita. Em reprovação à minha intromissão, o homem resolveu sumir num piscar de olhos. Não consigo lembrar da sua fisionomia, só que era baixo e meio gordo. O pato era um carneiro e lá dentro tinha uma criatura que, apesar de estar sempre fugindo do leão, pedia para sair, e outro lutava para salvá-la, sem matar o carneiro que ajudava e facilitava para que a 'operação" fosse um sucesso.
Terminei não fazendo nenhuma reportagem, porque conforme ele disse: Ninguém iria acreditar em mim e ainda seria chamado de "marrom", ou coisa parecida. Mas, acredite se quiser.


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