segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Academia do Papo


Choque de Ordem

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, entrou rasgando na administração da Cidade Maravilhosa. O homem, que em campanha pouco se pronunciou sobre os planos que colocaria em prática, resolveu atacar algumas frentes, para as quais deu o nome de Choque de Ordem. Tudo bem. Choque de Ordem. Inicialmente os interessados deveriam indagar do prefeito o que ele entende por Choque. Em seguida sobre o conceito da palavra Ordem em seu ideário sócio-político. Em sua concepção, um procedimento que consta do plano é a retirada dos mendigos e moradores de rua, justamente do lugar que eles mais gostam: A rua. O fato é que, curiosamente, quase ninguém se sublevou em relação ao prefeito. Diria que se fosse em tempos passados já teria aparecido meia dúzia de entidades de direitos humanos para interpelá-lo sobre a legitimidade e legalidade do ato. O direito de ir e vir é sagrado, diriam essas entidades. Mas convenhamos, com a multiplicação de pedintes e moradores de rua, parte considerável da sociedade julga que o melhor mesmo é levar essas pessoas para bem longe do convívio social. Algumas pessoas acham mesmo que ações como essas melhoram a qualidade de vida na cidade. Dizem em alto e bom som que se sentem mais tranqüilas quando não têm esse pessoal por perto “enchendo o saco”, com insistentes pedidos de esmola e outros constrangimentos.


Outrora, grandes advogados como Evandro Lins e Silva e Evaristo de Morais Filho teriam numa oportunidade como esta, um momento delicioso para passar uma reprimenda no prefeito Paes. Os dois, com muita ênfase, cairiam de pau em cima do executivo municipal carioca. A cidade do Rio de Janeiro, na visão do Sr. Paes, ainda não está no rol das melhores do mundo, dentre outros aspectos, por causa dos mendigos, dos moradores de rua. Estes, não têm defensores para as suas causas e por isso estão acuados. Mas bem que poderiam dizer que a situação em que vivem é apenas reflexo de um Estado injusto que os projetou para uma realidade indesejável. Mas quem irá defendê-los? Nossos melhores juristas parecem pouco sensíveis à causa.

E o choque? Na visão do prefeito é mais que necessário. Na dos mendigos é totalmente desproporcional. Se a eles não foi dado nada, pelos menos o direito de viver em liberdade em uma das cidades mais bonitas do mundo deveria ser permitido. Eu também acho. Tirá-los da rua é desumano. Nas ruas eles podem ver moças bonitas, carros bonitos, praias bonitas, vida bonita, etc. Se os trancafiarem será o total aniquilamento de suas ilusões. Na rua eles ainda cultivam a utopia de pertencentes à raça humana, de se identificar com o próximo, mesmo que esse o queira bem longe. Mas o prefeito parece discordar. Eles enfeiam a cidade, revelam uma realidade que têm que ser mantida longe do turista, principalmente americanos e europeus. Não podemos mostrar nossas mazelas, nossas injustiças, pensa o prefeito. Tiremos, pois, os mendigos das ruas. Assim os turistas dirão: Não há mais mendigos nas ruas do Rio de Janeiro. A cidade é realmente maravilhosa!

Será que só tirando os mendigos das ruas, será mantida a Ordem? Coitados dos mendigos. Não são eles que provocam desordem. Ao contrário. Eles são vítimas dela. E quem pensa que a crise não os afeta só porque não operam com câmbio, não fazem transações na Bolsa ou não vendem ou compram commodities, está muito enganado. Quando a situação fica ruim para quem tem, piora para quem não tem. Isso se dá em todos os níveis de vida. Piorou para os Estados Unidos, piora para todo o mundo. Ficou ruim para o barão, fica péssimo para o mendigo. Só não fica ruim para o ladrão. Principalmente o grande.

O acontecimento é preocupante. Imaginemos um mendigo privado do seu direito de ir e vir. Pegam-no na rua, jogam-no num galpão horroroso, acomodações de baixo conforto e dizem que ali é muito melhor que a rua. Em pouco tempo ele fica doido. Ao se encontrar praticamente encarcerado, começa a lacrimejar pela perda de liberdade. E o vento da praia? A voz dos ambulantes, moças lindas, Copacabana, Ipanema, Leblon. Nada como a liberdade! Mas ali, agora, naquele ambiente com pouca luz, pouco ar, nenhuma pessoa que lhe dê uma nesga de esperança... Como estão neste momento o céu e o mar azuis? Ah, o Oceano Atlântico! Porque fizeram isso com ele? Disseram que era prá protegê-lo dos maus elementos que ateiam fogo em moradores de rua. Ele finge acreditar, mas não se conforma porque sabe que Deus não deixaria isso acontecer.

Enquanto isso o Sr. Paes, livre, totalmente livre, começa por si próprio, avaliar que suas ações são merecedoras de elogios. A sociedade brevemente o agradecerá. Ela agora não será importunada por “aquelas pessoas” feias, mal cheirosas, banguelas e insistentes. Ainda bem. E o coro da burguesia [dondocas e janotas] ensaia o cântico: “O prefeito tá certo”. Ó senhor, tende pena dos mendigos e de todos nós. Um abraço cordial e até a próxima. Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR

Um comentário:

Anônimo disse...

É mais fácil privar os mendigos de sua liberdade de ir e vir, eles sao indefesos. O que realmente ele precisa fazer é tomar coragem para enfrentar é os bandidos. Isso ele nao conseguirá mudar.

Fiquei com vontade de ser mendiga, andar livremente pelas praias de Copacabana. Que saudades!