Cioran: um filósofo complicado
Se você é uma pessoa mal humorada, não tem afeto pelas outras, detesta seu modo de viver e não gosta de nada, vou lhe dar uma receita: leia o filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995). Esse pensador lhe fará um grande bem, se é que você se deleita com imprecações. Mas, advirto: tome cuidado! O senhor Cioran – para mim - é um terror. Diz coisas que a própria razão desconhece. Seu pensamento é uma torrente de desesperos, impropérios e maledicências capazes de fazer qualquer cidadão normal se assustar e perguntar o que o ocorreu com ele para torná-lo tão descrente do mundo. As suas ideias, em alguns momentos, parecem ter compromissos diabólicos e traduzem coisas que só sujeitos que não tiveram mãe ou afeto infantil são capazes de dizer. Diria mais: se você se identificar totalmente com ele, acho que está pavimentando sua existência na estrada do maligno.
Mas se você é um cara preparado (auto-suficiente) gosta da vida, adora as pessoas (mesmo quando percebe que algumas delas não valem uma cibalena, como diz o Hilário), leia o Cioran. Ele apenas contribuirá para despertar seus instrumentos de análise psicológica e nada mais. Mas que o sujeito é meio maluco, disso poucos duvidam. Como sou meio cético com o que ouço e leio, percorri alguns pensamentos do romeno, sem me deixar perturbar pelas suas ideias. Ora me arrepiava com as suas invectivas, ora dava risadas com as suas doidices. Mas valeu a pena.
Por que vale a pena ler um filósofo dessa natureza? Creio que sua leitura contribui para fazermos exercícios comparativos do que pensamos com o que pensa sujeitos como esse. Será que estamos certos? Será que a nossa tradição cultural nos deu “gás” suficiente para que nossa interpretação do mundo seja aproximada da mais correta? Por que um homem como Cioran pensa tão diferente da maioria das pessoas? E por que, sendo ele um sujeito de vasta cultura, apresenta opiniões tão divergentes das que acumulamos ao longo da nossa existência? Será que ele está totalmente errado? Ou será que somos nós os errados?
Para se ter noção do que pensa nosso personagem, vejam o que ele diz a respeito do homem e da pátria: “Um homem que se respeite não tem pátria. Uma pátria é um visco”. Viu aí? O romeno considera que o reconhecimento ao espaço geopolítico dos indivíduos deveria ser riscado de sua identidade. Convém lembrar que antes dele, doutor Samuel Johnson mandou uma assertiva que à época (século XVIII) teve o mesmo impacto. Só que o pensamento de doutor Johnson não falava de pátria, mas sim de patriotismo. Quanto a pátria eu não consigo imaginar minha vida sem vinculá-la ao meu torrão natal: Brasil. Especificamente ao lugar onde nasci (Afogados da Ingazeira) e onde vivo: Vitória da Conquista. Pense você aí, sua vida sem referência ao lugar onde nasceu. Pensou? ...
Mas o pior é o que virá agora. Cioran fala de Deus. Pronto. Aí a coisa pega. Eis uma de suas maluquices, ao menos para nós que felizmente não somos ateus: “Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam”. Segunda maluquice: “O destino do homem é esgotar a idéia de Deus”. A terceira e mais inquietante: “Por necessidade de recolhimento livrei-me de Deus, desembaracei-me do último chato”. O homem é ou não é meio doido? Certamente se você é cristão, ou adepto de uma religião monoteísta, haverá de discordar do filósofo e o fará com toda a veemência. Seria possível a um crente viver sua vida sem relacioná-la com a existência de Deus? Creio que não. Mas o Sr. Cioran parece se importar pouco com a existência do Criador.
Pelo pouco que conhecemos da biografia do filósofo, trata-se de uma alma perturbada. Sua classificação aqui na Terra era o de representante máximo do pessimismo. Suas opiniões sobre a vida e as pessoas eram totalmente contrárias à voz corrente da humanidade. É certo que nem sempre a multidão está com razão. Mas a sociedade, em sua fatia mais representativa, parece em desacordo com o romeno. Algumas de suas ideias provocavam furor em muitas pessoas. Certa feita ele afirmou: “Todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem?”. Será que ele está certo em afirmar que todos somos infelizes? Ele pesquisou a todos nós? De minha parte, diria que só fico infeliz quando estou duro. Ué! Parece que em relação a mim ele acertou! Ando constantemente duro (ah, como sou infeliz). Mas, graças a Deus não sou triste. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Academia do Papo
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Um comentário:
Paulo,
Não é sem razão que o Cioram pensava como pensava: seus estudos centralizaram-se em Emmanuel Kant, Arthur Schopenhauer, e principalmente Friedrich Nietzsche. Ora, esses exemplos que você dá - para dar-nos uma dimensão do pensamento trágico do filósofo - é só fichinha, Paulo, perto do que ele realmente pensava e falava e escrevia. E lhe digo, enquanto alguém não provar - com argumentos plausíveis - que ele estava errado, eu continuo aplaudindo ele, Schopenhauer e Nietzsche. E não sofro nadica de nada em saber que estou papavimentando minha existência na estrada do maligno. Não me queira mal, Paulo, que eu só quero bem.
Luiz Cláudio, de Salvador
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