quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Não é ético; porém corriqueiro


É inadmissível, mas é verdade. Segundo pesquisa da Comissão de Ética Pública da Presidência da República mais de 50% dos brasileiros se pudessem empregariam seus parentes numa boa, e 51,8% furam ou já furaram filas sem qualquer constrangimento. Não resta a menor dúvida de que grande parte das pessoas de nosso país transgride ou não faz qualquer cerimônia em utilizar-se do ‘jeitinho brasileiro’ para levar vantagem sobre alguma coisa. Obviamente não é nada ético furar fila ou descumprir a lei, mesmo sendo as mais simples e corriqueiras. Julgam ser normal e não fere o direito alheio. Esse tipo de comportamento se espelha na própria classe governante que tem ultrapassado os limites de suas responsabilidades causando perplexidades à nação. Às vezes penso que faz sentido tudo isso ocorrer, uma vez que aqui é o país do ‘rouba, mas faz’, dos escândalos do mensalão, dos anões do orçamento, dos sanguessugas, do juiz Lalau, do Daniel Dantas, da Georgina de Freitas... E, mais ainda, da impunidade e da complacência política do passado como os casos de Paulo Maluf, Renan Calheiros, Severino Cavalcanti, Roberto Jefferson, Fernando Collor, Jader Barbalho, entre tantos.

Mas vamos nós ao ‘jeitinho brasileiro’ que, para reforçá-lo, eu vou citar um caso presenciado por mim. Um fato curioso aconteceu em 2006 no último concurso interno do Banco do Brasil, conduzido pela CESGRANRIO em parceria com a INEPAD e Universidade de Brasília, a UNB; lamentavelmente o drama foi com um colega que chegou para fazer as provas 3 minutos após o fechamento dos portões. É bem verdade que os responsáveis pela realização do evento antes foram aos portões, observaram se não havia mais alguém na rua correndo para chegar, antes de encerrá-los. Não havia ninguém. Então foi dada a ordem, em alto e bom som, de que os portões seriam fechados. E assim foi o procedimento. No entanto, os costumeiros atrasos são inevitáveis, a própria imprensa sabedora disso já fica de plantão para entrevistar os retardatários, principalmente nos exames do vestibular, uma vez que chegar na última hora virou moda dos candidatos.
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Mas voltando ao concurso interno do Banco do Brasil. A responsável pelo concurso então bradou do outro lado do portão: – Não entra, são ordens recebidas e devem ser cumpridas! Um senhor que estava do lado de fora do colégio naquele instante, argumentou, "vocês do banco são cruéis, pra quê tanto rigor com um funcionário?".– Nem mesmo as lágrimas do colega foram suficientes para mudar a decisão. Doeu. Fiquei compadecido com o drama. Mas fazer o quê? Acusar a Comissão organizadora do concurso? Se agirmos movido pela emoção, pelo coração, é muita rigidez, não há dúvida, mas é lei, e como toda lei, respeitá-la é uma obrigação. Certamente o colega teve os seus motivos – sabe-se lá o que causou o seu atraso. A verdade é que sempre alguém, naquela manhã, não deu a devida atenção ao horário, mesmo sendo apenas minutos ou segundos, não importa, houve falha por parte do funcionário. O povo tem o hábito de confundir "bondade e permissividade” com normas e justiça. São conceitos diferentes. O pior é que, no fundo, toda benevolência acaba alimentando a corrupção. No dia seguinte o próprio gerente da agência alardeou que se lá estivesse o fato não teria acontecido. É uma pena que o principal gestor pense dessa maneira. .
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Para algumas pessoas o tempo não vale nada, notadamente os jovens que dão pouca importância ao relógio; – não estão nem aí para os horários preestabelecidos. Para muitos o tempo é precioso, porque além do desgaste físico e dinheiro investido, perder a prova ou um compromisso por mero atraso, é um retrocesso em sua vida pessoal e profissional. Afinal somos todos escravos do tempo. De modo que o episódio supracitado sirva de exemplo para muita gente; até mesmo aos pais que têm filhos matriculados em escolas particulares e se ancoram no estilo arrogante, "se eu estou pagando, ele tem o direito de assistir à aula, mesmo chegando atrasado”. Essa pseudopostura ensina a corromper regras, desrespeitar as leis e inibir responsabilidades; ações estas que levam os cidadãos a não viverem em harmonia com os ditames da sociedade. E os donos de escolas, quando fazem vista grossa para esse tipo de conduta, são coniventes e pecam do mesmo jeito. Para um atleta velocista, o tempo de um milésimo de segundo vale um recorde, e para os pilotos de Fórmula 1, também não é diferente. Tudo contribui, assim, para aluir o senso ético do brasileiro. A máxima que “se todos fazem, por que também não posso fazer?” – Não é uma justificativa que mereça aplauso, tampouco enobreça ou forme o caráter, contudo, infelizmente é uma realidade brasileira.

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4 comentários:

Anônimo disse...

Ezequiel, ética é um exercício de fé! Na política não existe ética, existe conchavos. Nós que somos cidadãos de bem é que nos importamos com ética, damos valor aos preceitos morais que nossos pais nos repassaram. Eu não acho que os que são políticos não tenham recebido dos seus pais tais ensinamentos e preceitos; é que eles quando enveredam por esse caminho passam a desprezar o que de bom eles receberam em suas infâncias e, passam a respeitar um novo código de ética: o "é dando que se recebe", "disso tenho que tirar o melhor proveito", "meus eleitores são o meu melhor capital, lá no congresso cada um desses votos tem um preço" e, assim por diante. Quando se é picado pela "mosca azul", contaminado ficará para o resto da vida. Veja entre os nossos colegas mesmo, quando se dispuseram a compor uma diretoria no sindicato, nunca mais tiveram a coragem de retornar ao trabalho, parece que vão ficar lá "ad eternun", perdeream as suas origens, viraram alienígenas!

Francisco Silva Filho

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o Ezequiel Sena, ética e respeito as normas de conduta social é obrigação de quem vive em sociedade. Muito boa a crônica, pois os exemplos da falta de respeito com as pessoas estão em toda parte. Nas escolas ninguem respeita mais os professores. Desrespeitar as filas é uma coisa corriqueira, acham que é normal e que não fere o direito das outras pessoas. Pedro Paulo

Anônimo disse...

Meu "irmão" Ezequiel

Mais uma vez concordo com o que disseste. Li num "autdor" (aportuguesei), em Salvador. "O aluno que pesca não pode falar de corrupção". Acho que nosso povo perdeu a noção de valor das coisas e da moral. Eu completaria aquele anúncio: o professor que fila aula e recebe o salário integral, no final do mês, também não poderia falar de corrupção. Quem fura fila, quem "dá" contra-mão, quem usa do "jeitinho", para levar vantagem, também não deveriam falar de corrupção. Aquele comercial da Skol, na época da Copa do Mundo, onde a trave se mexia conforme a necessidade da Seleção Brasileira(que enfrentava a da Argentina), é, em minha opinião, a institucionalização da jeitinho e da safadeza. Proibe-se a comercial de cigarro. Concordo! Mas, permite-se comercial de "carrões" último tipo, num País onde existem 40 milhões de pessoas que vivem (vivem????!!!!) ABAIXO DA LINHA DA MISÉRIA. Fabrica-se carro com velocidade até 260 Km/h e a velocidade máxima em nossas rodovias é de 100Km/h. Eu só queria entender esses paradoxos.
Um grande abraço e, mais uma vez, valeu a tua crônica.

Paulo Ludovico

Anderson Oliveira disse...

Meu caro amigo Ezequiel.

O "jeitinho brasileiro", está em toda a parte, mas não digo que isso ocorra somente no Brasil! Está em todo o mundo, em todas as camadas sociais. Infelizmente a ética que aprendi com o professor Dirlei Bomfim não está dentro das normas solicitadas, mesmo aqueles que se consideram éticos já se beneficiaram de alguma infração, seje ela nas filas ou no trânsito. Certo dia me dirigir a uma repartição para resolver um assunto contábil da empresa onde trabalho, peguei a senha e fiquei quietinho na poltrona da fila até que chegou a minha vez, me dirigir até o guichê, expus minha solicitação, logo a atendente me informou que só quem poderia resolver seria um dos sócios da empresa. Lamentei, agradeci e acabei saindo, derrepentemente encontrei com o Sr. Teixeira, conhecido como dinossáuro das repartições, conhece todo mundo, comentei com ele e me falou que seria possível resolver pra mim, ele encaminhou até um guichê, nem fila pegou, logo estava ele ali retornando com toda a documentação que necessitava.

Pois é meu amigo Ezequiel, fui eu beneficiado pelo jeitinho brasileiro.


Um abraço!