Paulo Ludovico
Terminado o 2º ano do Segundo Grau, lá pelo ano de 1975, eu e meu irmão, Marcos Ludovico, fomos, em companhia de outros colegas, cursar o 3º ano, em Salvador. Era o 3º ano, com Pré-Vestibular. Ele queria fazer Direito, eu, Engenharia Civil. Até hoje, pergunto-me o porquê (esse acento circunflexo cai, a partir de janeiro, quando entra em vigor a reforma da língua portuguesa). Desde pequeno, respondia: “quando crescer, quero ser Engenheiro Civil”. O certo era que iríamos para a civilização, para a capital da Bahia.
Meu pai, apesar dos insistentes convites, não queria que hospedássemos em casa de parentes. Moravam lá, um tio e uns primos nossos. Dizia o velho Ludovico que poderíamos, num final de semana ou outro, almoçar com esse tio (irmão da minha mãe). Mas morar, não! E justificava: “na primeira semana, tudo sairia perfeito, depois as coisas mudariam”. Sempre concordei com ele, ainda que, nas oportunidades em que fomos almoçar com esse tio, éramos muito bem tratados.
Nossa moradia, então, seria num pensionato, de propriedade de uma senhora conquistense, amiga de minha mãe, das reuniões do Centro Espírita Humberto de Campos. O danado do pensionato ficava num edifício de 18 andares, localizado na Rua Areal de Baixo, no Centro de Salvador. Lembro-me como se fosse hoje, ficava no edifício Nossa Senhora de Lourdes, mas, pelo apelido, “Balança mas não cai”, passamos a ter noção de onde iríamos morar. A vantagem é que ficava perto do Colégio Águia, de Supermercados de uma academia de judô (acredite, eu fui faixa preta, e treinei com dois mestres dos melhores Kazuo Yoshida, mundialmente conhecido e Lofei Shiozawa, campeão brasileiro e mundial). Logo na chegada ao edifício, cheio de bagagens, entramos no “playground” daquele monstrengo e nos deparamos com um aviso, “pregado” (com durex), na porta do elevador: “elevador com defeito, use o de serviço”. Seguindo uma seta, entramos por uma porta lateral, e, no elevador de serviço, outro aviso: “Este também está com defeito, use a escada”. Até hoje não sei o porquê dos dois avisos. Seria tão mais fácil um aviso só. Comentei com meu irmão:
- Bela chegada em Salvador, subir ao 15º andar e cheio de malas. Ao que meu irmão respondeu:
- Ainda bem que o pensionato não é no 18º andar. Só olhei, meio atravessado, para ele, sem achar graça alguma (se é que ele fez uma piada).
Balançamos a cabeça, para afugentar maus pensamentos, nada de desespero, afinal, estávamos em Salvador, na capital da Bahia. Vamos à escada, 15 andares pra cima. Começamos a subida. No 6º andar, as pernas doíam e os braços também, afinal eram tantos pacotes. Não era uma escadinha qualquer que iria amedrontar dois conquistenses. Parece que meu irmão lera meus pensamentos, pois, nós dois, olhamos de cara feia para a escada e recomeçamos a subir. Lá pelo 12º andar, já não conseguia mais raciocinar, a sensação era de ter subido uns 30. As pernas já não doíam, é que (há 3 andares, abaixo) não mais as sentia. Depois de algumas paradas (para tomar fôlego) conseguimos, chegamos ao topo, isto é, ao 15º andar. Senti-me como um alpinista, quando consegue escalar os picos mais altos do mundo. Eu e meu irmão arfávamos tanto que só nos olhávamos, não tínhamos fôlego para falar qualquer coisa. Mesmo assim, senti que ele queria me dizer algo, só não conseguia. Depois de colocar a respiração no seu devido tempo, balbuciando, ele conseguiu articular a seguinte pergunta:
- Paulo, trouxemos 6 malas e 4 sacolas, não foi?
Aos poucos, entendi a extensão da pergunta. Contando nossa bagagem, percebi que só havia 4 malas e 3 sacolas. Conclusão: esquecemos 2 malas e 1 sacola na porta do elevador de serviço, 15 andares abaixo. É a velha história, eu deixei pra ele, ele deixou pra mim... O certo é que, ambos chorando de raiva e rezando, fomos buscar o resto da bagagem. Não sei se a reza era para encontrar a bagagem ou se para que alguém a tivesse levado. As duas malas e a sacola estavam lá. Confesso que pensamos em jogá-las no fosso do elevador.
Heroicamente, chegamos novamente ao 15º andar, sãos e salvos. Apertamos a sirene, depois de driblar vários fios desencapados (é isso mesmo, sirene, tal era o barulho da danada). Esperávamos ser recebidos por aquela senhora amável, amiga de minha mãe. Lembrava bem dela, lá pelos meus 12 anos de idade, sempre que me via, em companhia de minha mãe, alisava meu queixo, dizendo: - Dalva, que menino lindo!
Eu já completara 18 anos e sabia que ela não iria me cumprimentar assim. Queria esperar, pra ver. Meu pai dizia: “boi em curral estranho, até as vacas batem nele”. Estávamos num local estranho, não conhecíamos ninguém, não sabia como seria o lugar onde iríamos ficar. Aquela vida nova amedrontava, a nós dois, eu diria. Foi justamente ela (a amiga de minha mãe) quem abriu a porta. Meu irmão, mais afoito (15 anos), abriu os braços, esperando o afago daquela senhora. Chego a dizer que ele até esticou, levemente, o pescoço, para receber aquela costumeira carícia no queixo. De dentro do apartamento, veio a seguinte frase, ao som de uma voz rouca e de poucas amigas:
- Ah! Vocês demoraram. O quarto é ali, disse, apontando para uma porta entreaberta. Virou as costas e sumiu na cozinha. Foi uma decepção tão grande que, até hoje, 33 anos depois, causa-me mal estar.
Mal entramos no quarto e veio novamente aquela senhora, dizendo:
- Estamos sem água e sem gás!
Era tudo que não queríamos ouvir. Depois das duas escaladas naquelas terríveis escadas, suados, naquele calor de Salvador, ficar sem tomar banho, era demais. Foi a primeira, das tantas vezes que sentimos saudades (material) de casa. Achei que faltar água era coisa que só acontecia no interior. O certo é que só fomos tomar banho no finalzinho da tarde, quando a água (que “ia embora” dia sim e outro, não) voltou.
À noite, eu e meu irmão, apesar de cansados, perdemos o sono. Conversamos até alta madrugada, começando a dar razão a meu pai que, ao se despedir de nós, enumerou algumas situações que fariam a gente sentir falta do aconchego de casa e da proteção dos pais. Naquele dia, vivenciamos apenas a primeira dessas situações. Muitas outras vieram, mas são histórias que ficam pra outras oportunidades.
Meu pai, apesar dos insistentes convites, não queria que hospedássemos em casa de parentes. Moravam lá, um tio e uns primos nossos. Dizia o velho Ludovico que poderíamos, num final de semana ou outro, almoçar com esse tio (irmão da minha mãe). Mas morar, não! E justificava: “na primeira semana, tudo sairia perfeito, depois as coisas mudariam”. Sempre concordei com ele, ainda que, nas oportunidades em que fomos almoçar com esse tio, éramos muito bem tratados.
Nossa moradia, então, seria num pensionato, de propriedade de uma senhora conquistense, amiga de minha mãe, das reuniões do Centro Espírita Humberto de Campos. O danado do pensionato ficava num edifício de 18 andares, localizado na Rua Areal de Baixo, no Centro de Salvador. Lembro-me como se fosse hoje, ficava no edifício Nossa Senhora de Lourdes, mas, pelo apelido, “Balança mas não cai”, passamos a ter noção de onde iríamos morar. A vantagem é que ficava perto do Colégio Águia, de Supermercados de uma academia de judô (acredite, eu fui faixa preta, e treinei com dois mestres dos melhores Kazuo Yoshida, mundialmente conhecido e Lofei Shiozawa, campeão brasileiro e mundial). Logo na chegada ao edifício, cheio de bagagens, entramos no “playground” daquele monstrengo e nos deparamos com um aviso, “pregado” (com durex), na porta do elevador: “elevador com defeito, use o de serviço”. Seguindo uma seta, entramos por uma porta lateral, e, no elevador de serviço, outro aviso: “Este também está com defeito, use a escada”. Até hoje não sei o porquê dos dois avisos. Seria tão mais fácil um aviso só. Comentei com meu irmão:
- Bela chegada em Salvador, subir ao 15º andar e cheio de malas. Ao que meu irmão respondeu:
- Ainda bem que o pensionato não é no 18º andar. Só olhei, meio atravessado, para ele, sem achar graça alguma (se é que ele fez uma piada).
Balançamos a cabeça, para afugentar maus pensamentos, nada de desespero, afinal, estávamos em Salvador, na capital da Bahia. Vamos à escada, 15 andares pra cima. Começamos a subida. No 6º andar, as pernas doíam e os braços também, afinal eram tantos pacotes. Não era uma escadinha qualquer que iria amedrontar dois conquistenses. Parece que meu irmão lera meus pensamentos, pois, nós dois, olhamos de cara feia para a escada e recomeçamos a subir. Lá pelo 12º andar, já não conseguia mais raciocinar, a sensação era de ter subido uns 30. As pernas já não doíam, é que (há 3 andares, abaixo) não mais as sentia. Depois de algumas paradas (para tomar fôlego) conseguimos, chegamos ao topo, isto é, ao 15º andar. Senti-me como um alpinista, quando consegue escalar os picos mais altos do mundo. Eu e meu irmão arfávamos tanto que só nos olhávamos, não tínhamos fôlego para falar qualquer coisa. Mesmo assim, senti que ele queria me dizer algo, só não conseguia. Depois de colocar a respiração no seu devido tempo, balbuciando, ele conseguiu articular a seguinte pergunta:
- Paulo, trouxemos 6 malas e 4 sacolas, não foi?
Aos poucos, entendi a extensão da pergunta. Contando nossa bagagem, percebi que só havia 4 malas e 3 sacolas. Conclusão: esquecemos 2 malas e 1 sacola na porta do elevador de serviço, 15 andares abaixo. É a velha história, eu deixei pra ele, ele deixou pra mim... O certo é que, ambos chorando de raiva e rezando, fomos buscar o resto da bagagem. Não sei se a reza era para encontrar a bagagem ou se para que alguém a tivesse levado. As duas malas e a sacola estavam lá. Confesso que pensamos em jogá-las no fosso do elevador.
Heroicamente, chegamos novamente ao 15º andar, sãos e salvos. Apertamos a sirene, depois de driblar vários fios desencapados (é isso mesmo, sirene, tal era o barulho da danada). Esperávamos ser recebidos por aquela senhora amável, amiga de minha mãe. Lembrava bem dela, lá pelos meus 12 anos de idade, sempre que me via, em companhia de minha mãe, alisava meu queixo, dizendo: - Dalva, que menino lindo!
Eu já completara 18 anos e sabia que ela não iria me cumprimentar assim. Queria esperar, pra ver. Meu pai dizia: “boi em curral estranho, até as vacas batem nele”. Estávamos num local estranho, não conhecíamos ninguém, não sabia como seria o lugar onde iríamos ficar. Aquela vida nova amedrontava, a nós dois, eu diria. Foi justamente ela (a amiga de minha mãe) quem abriu a porta. Meu irmão, mais afoito (15 anos), abriu os braços, esperando o afago daquela senhora. Chego a dizer que ele até esticou, levemente, o pescoço, para receber aquela costumeira carícia no queixo. De dentro do apartamento, veio a seguinte frase, ao som de uma voz rouca e de poucas amigas:
- Ah! Vocês demoraram. O quarto é ali, disse, apontando para uma porta entreaberta. Virou as costas e sumiu na cozinha. Foi uma decepção tão grande que, até hoje, 33 anos depois, causa-me mal estar.
Mal entramos no quarto e veio novamente aquela senhora, dizendo:
- Estamos sem água e sem gás!
Era tudo que não queríamos ouvir. Depois das duas escaladas naquelas terríveis escadas, suados, naquele calor de Salvador, ficar sem tomar banho, era demais. Foi a primeira, das tantas vezes que sentimos saudades (material) de casa. Achei que faltar água era coisa que só acontecia no interior. O certo é que só fomos tomar banho no finalzinho da tarde, quando a água (que “ia embora” dia sim e outro, não) voltou.
À noite, eu e meu irmão, apesar de cansados, perdemos o sono. Conversamos até alta madrugada, começando a dar razão a meu pai que, ao se despedir de nós, enumerou algumas situações que fariam a gente sentir falta do aconchego de casa e da proteção dos pais. Naquele dia, vivenciamos apenas a primeira dessas situações. Muitas outras vieram, mas são histórias que ficam pra outras oportunidades.
2 comentários:
Uma observação muito pertinente do autor do texto. - A diferença de tratamento e mesmo atenção, entre dono de pensão em Salvador, e os moradores da mesma,próvinientes do interior!.RGS.
Lendo essa passagem da vida sua e do meu marido, quase choro de pena de vcs. Fiquei lendo e pensando ao mesmo tempo futuramente na ida da minha filha, que espero; não seja nessa triste condição. Marcos ainda se lembra que o café da manhã era um pão e três bolachas, sem nunda variar.
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