Dizem que recordar é despertar o imaginário da alma. Talvez seja isso que leva as pessoas a gostarem tanto de relembrar as histórias do passado. Para muitos, principalmente os escritores, o passado funciona como fonte inspiradora de suas obras. Com todo o respeito a quem pensa diferente, desde que não se torne refém dele (o passado), imagino que é horrível você não ter nada de sua existência para contar. A sabedoria popular afiança que “recordar é viver”.
As reminiscências, além de transportar a pessoa para os lugares mais recônditos do seu inconsciente, fazem bem ao espírito e amenizam as asperezas ilusórias do cotidiano. Está provado que as crianças são mais felizes porque se iludem com mais facilidade; enquanto, nós adultos, julgamos ser mais espertos do que elas, tornamo-nos mais amargos, frios e calculistas. Queiram ou não é a realidade. Não existe nada que deprime mais o ser humano do que a realidade. A realidade chega a ser cruel – exibe a vida como ela é cheia de aberrações, obrigações, compromissos e responsabilidades. É muito perversa a realidade. Mas por falar em perversa realidade, ontem ao passar pelo centro, esbarrei-me com o ex-colega e amigo Edilno Macedo, o Ferreira do Cine Madrigal, o papo não poderia ser outro senão sobre cinemas e o seu desapontamento com o fechamento das salas, muitas delas vendidas para templos religiosos, ou dando lugar a prédios comerciais – imposição normal de um mundo em transformação.
Pois é, iniciamos o papo discorrendo sobre os grandes palcos que tivemos. Bons tempos aqueles – finalzinho da década de 60 até meados dos anos 80 –, quando desfrutávamos do Cine Conquista e do Cine Ritz, na Praça Barão do Rio Branco, do Cine Glória na Francisco Santos, e, do outro lado da cidade o Cine Eldorado que era o bambambã na exibição de filmes históricos e épicos. Não nos foi possível conversarmos a respeito dos shows de calouros, que de qualquer forma abstenho-me, já muito relembrados por cronistas amigos. Chegamos a ter seis bons cinemas com o cine Trianon. Época de ouro aquela quando as pessoas davam muito mais importância à sétima arte. A leitura também fazia parte do passatempo dos jovens; gibis e livros de bolso de agentes fictícios do FBI, CIA, aventuras de Brigitte Montfort (a espiã Baby), os faroestes, as histórias de amor, e as italianíssimas revistas Sétimo Céu, Capricho, Grande Hotel etc., era a rotina da maioria dos estudantes, e quando a aula era vaga desciam em grupo para assistir a sessão da matinée e namorar no escurinho do cinema. Na saída saborear os picolés do Bar Lindóia e da Confeitaria Araci. Naturalmente os tempos são outros. Agora passamos a “ler” mais televisão, vídeo, celular, DVD e a Internet. Os avanços tecnológicos impuseram uma revolução muito rápida e, consequentemente nos costumes, isso fez com que as pessoas ficassem mais arredias, individualistas e reclusas.
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Cine Madrigal inaugurado em 1968, o maior templo do cinema conquistense, está fechado, mas na nossa memória ficou gravado uma sala que tinha por tradição tocar músicas orquestradas até a hora o filme começar. O fundo musical “Je T’aime” sinalizava a redução das luzes para dar início ao espetáculo. Muitos romances e paqueras foram fortemente influenciados por essa canção de bela melodia. Já outro que traz muita saudade é o telejornal CANAL 100, a coqueluche dos amantes do futebol. Os jogadores em câmara lenta deixavam a plateia bem próxima do jogo e encantada com a beleza das imagens, sem contar a trilha sonora “Na cadência do samba" que era muito mais que um hino do futebol brasileiro. Hoje só comparado à música que reverenciava o saudoso Ayrton Senna nas manhãs de domingo.
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Com os olhos úmidos, Edilno relembra: “o apoio que recebi da imprensa foi muito importante, senão teria fechado há mais tempo – as rádios, a TV Sudoeste, o Jornal a Tarde e todos periódicos locais fizeram de tudo para me ajudar, porém compreendi que não havia outro jeito, o fenômeno não era específico das cidades do interior, isso estava acontecendo também em todas as capitais do país. Digo mais, Titanic foi o último filme de repercussão e o maior campeão de bilheteria de todos os tempos, chegando a permanecer em cartaz 66 dias e de casa lotada. O sucesso foi tanto que, inclusive, vinham caravanas de outras cidades assistirem, notadamente do norte de Minas”, conclui Ferreira. Como consolo, e se adequando a rápida mudança de comportamento do público, agora nos resta, no Shopping Conquista Sul, uma sala de cinema que mesmo pouco frequentada vai se mantendo, e só Deus sabe até quando!
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Agora, justiça seja feita, o Ferreira lutou contra todas as adversidades para que não fechasse o "último dos moicanos” ¬– o Cine Madrigal – mas foi vencido. Aquele ambiente que tivemos a felicidade de curtir grandes clássicos como “E o Vento Levou”, “Os Dez Mandamentos”, “Bem Hur”, “Sansão e Dalila”, “Doutor Jivago”, “O Poderoso Chefão”, outros e outros. Longas-metragens que impressionavam pela riqueza dos figurinos e ainda os western com John Wayne, Clint Eastwood, os espaguetes italianos com Giuliano Gema, Terence Hill e seu irmão inseparável Bud Spencer; D’Jango, Bill the Kid, Fernando Sancho (o vilão-herói), Lee Van Cleef o “El Condor” além, é claro, das películas nacionais de grande repercussão estreladas por Mazaroppi, Grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade e o Ronald Golias que empolgavam a meninada. Outros grandes sucessos de bilheteria como ‘Dio como ti amo’, no final dos anos 60 que, segundo Ferreira, o cinema conquistense foi o pioneiro a rodar a fita no Brasil. E tantos outros como Non son degno di te (Gianni Morandi), Love Store, Romeu e Julieta, o Exorcista, anos 70... fizeram a história do cinema na cidade.
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Hoje, o salão do Madrigal permanece lacrado. Não se sabe qual o fim será dado a esse gigante e suas instalações. As lojas que ficam no térreo estão em pleno funcionamento, os comerciantes do quarteirão entre as ruas Ernesto Dantas e 7 de Setembro lamentam a situação, e principalmente pelo desgaste natural do tempo. Preocupam também com a perda de valor da área e desconhecem a realidade dos proprietários, mas avistam como sendo um ponto ideal para que as autoridades pensem em utilizá-lo como museu, ou, quem sabe, um local recreativo com fins culturais. Bem, aqui vai a sugestão de um saudosista de carteirinha.
Ezequiel Sena
As reminiscências, além de transportar a pessoa para os lugares mais recônditos do seu inconsciente, fazem bem ao espírito e amenizam as asperezas ilusórias do cotidiano. Está provado que as crianças são mais felizes porque se iludem com mais facilidade; enquanto, nós adultos, julgamos ser mais espertos do que elas, tornamo-nos mais amargos, frios e calculistas. Queiram ou não é a realidade. Não existe nada que deprime mais o ser humano do que a realidade. A realidade chega a ser cruel – exibe a vida como ela é cheia de aberrações, obrigações, compromissos e responsabilidades. É muito perversa a realidade. Mas por falar em perversa realidade, ontem ao passar pelo centro, esbarrei-me com o ex-colega e amigo Edilno Macedo, o Ferreira do Cine Madrigal, o papo não poderia ser outro senão sobre cinemas e o seu desapontamento com o fechamento das salas, muitas delas vendidas para templos religiosos, ou dando lugar a prédios comerciais – imposição normal de um mundo em transformação.
Pois é, iniciamos o papo discorrendo sobre os grandes palcos que tivemos. Bons tempos aqueles – finalzinho da década de 60 até meados dos anos 80 –, quando desfrutávamos do Cine Conquista e do Cine Ritz, na Praça Barão do Rio Branco, do Cine Glória na Francisco Santos, e, do outro lado da cidade o Cine Eldorado que era o bambambã na exibição de filmes históricos e épicos. Não nos foi possível conversarmos a respeito dos shows de calouros, que de qualquer forma abstenho-me, já muito relembrados por cronistas amigos. Chegamos a ter seis bons cinemas com o cine Trianon. Época de ouro aquela quando as pessoas davam muito mais importância à sétima arte. A leitura também fazia parte do passatempo dos jovens; gibis e livros de bolso de agentes fictícios do FBI, CIA, aventuras de Brigitte Montfort (a espiã Baby), os faroestes, as histórias de amor, e as italianíssimas revistas Sétimo Céu, Capricho, Grande Hotel etc., era a rotina da maioria dos estudantes, e quando a aula era vaga desciam em grupo para assistir a sessão da matinée e namorar no escurinho do cinema. Na saída saborear os picolés do Bar Lindóia e da Confeitaria Araci. Naturalmente os tempos são outros. Agora passamos a “ler” mais televisão, vídeo, celular, DVD e a Internet. Os avanços tecnológicos impuseram uma revolução muito rápida e, consequentemente nos costumes, isso fez com que as pessoas ficassem mais arredias, individualistas e reclusas.
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Cine Madrigal inaugurado em 1968, o maior templo do cinema conquistense, está fechado, mas na nossa memória ficou gravado uma sala que tinha por tradição tocar músicas orquestradas até a hora o filme começar. O fundo musical “Je T’aime” sinalizava a redução das luzes para dar início ao espetáculo. Muitos romances e paqueras foram fortemente influenciados por essa canção de bela melodia. Já outro que traz muita saudade é o telejornal CANAL 100, a coqueluche dos amantes do futebol. Os jogadores em câmara lenta deixavam a plateia bem próxima do jogo e encantada com a beleza das imagens, sem contar a trilha sonora “Na cadência do samba" que era muito mais que um hino do futebol brasileiro. Hoje só comparado à música que reverenciava o saudoso Ayrton Senna nas manhãs de domingo.
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Com os olhos úmidos, Edilno relembra: “o apoio que recebi da imprensa foi muito importante, senão teria fechado há mais tempo – as rádios, a TV Sudoeste, o Jornal a Tarde e todos periódicos locais fizeram de tudo para me ajudar, porém compreendi que não havia outro jeito, o fenômeno não era específico das cidades do interior, isso estava acontecendo também em todas as capitais do país. Digo mais, Titanic foi o último filme de repercussão e o maior campeão de bilheteria de todos os tempos, chegando a permanecer em cartaz 66 dias e de casa lotada. O sucesso foi tanto que, inclusive, vinham caravanas de outras cidades assistirem, notadamente do norte de Minas”, conclui Ferreira. Como consolo, e se adequando a rápida mudança de comportamento do público, agora nos resta, no Shopping Conquista Sul, uma sala de cinema que mesmo pouco frequentada vai se mantendo, e só Deus sabe até quando!
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Agora, justiça seja feita, o Ferreira lutou contra todas as adversidades para que não fechasse o "último dos moicanos” ¬– o Cine Madrigal – mas foi vencido. Aquele ambiente que tivemos a felicidade de curtir grandes clássicos como “E o Vento Levou”, “Os Dez Mandamentos”, “Bem Hur”, “Sansão e Dalila”, “Doutor Jivago”, “O Poderoso Chefão”, outros e outros. Longas-metragens que impressionavam pela riqueza dos figurinos e ainda os western com John Wayne, Clint Eastwood, os espaguetes italianos com Giuliano Gema, Terence Hill e seu irmão inseparável Bud Spencer; D’Jango, Bill the Kid, Fernando Sancho (o vilão-herói), Lee Van Cleef o “El Condor” além, é claro, das películas nacionais de grande repercussão estreladas por Mazaroppi, Grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade e o Ronald Golias que empolgavam a meninada. Outros grandes sucessos de bilheteria como ‘Dio como ti amo’, no final dos anos 60 que, segundo Ferreira, o cinema conquistense foi o pioneiro a rodar a fita no Brasil. E tantos outros como Non son degno di te (Gianni Morandi), Love Store, Romeu e Julieta, o Exorcista, anos 70... fizeram a história do cinema na cidade.
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Hoje, o salão do Madrigal permanece lacrado. Não se sabe qual o fim será dado a esse gigante e suas instalações. As lojas que ficam no térreo estão em pleno funcionamento, os comerciantes do quarteirão entre as ruas Ernesto Dantas e 7 de Setembro lamentam a situação, e principalmente pelo desgaste natural do tempo. Preocupam também com a perda de valor da área e desconhecem a realidade dos proprietários, mas avistam como sendo um ponto ideal para que as autoridades pensem em utilizá-lo como museu, ou, quem sabe, um local recreativo com fins culturais. Bem, aqui vai a sugestão de um saudosista de carteirinha.
Ezequiel Sena







3 comentários:
Amigo Ezequiel, a sua crônica não me permite qualquer adendo; ainda que me permitisse, eu não faria qualquer emenda! Isto posto, quero com isso dizer que, ela está traduzindo todo o nosso "relicário de saudades". Não há culpados, não há inocentes; há sim, uma grande lacuna nas nossas tardes e noites, nós que, hoje formamos o contingente dos "jovens de outrora", fomos alijados da nossa melhor diversão. As atuais salas existentes nos shoppings, me passam a sensação de coisa artificial; agora com o advento dos DVD's, quem me garante que o que se passa na nova tela não seja a reprodução de um DVD? As fitas, as gloriosas fitas que, nós não sabíamos a que momento ela ia se romper e, as luzes do cinema iam se acenderem e nós, aos gritos de "CADÊ MEU DINHEIRO, LADRÃO?". Era lindo e formidável! quanta saudade, Ezequiel, quanta saudade!
Francisco Silva Filho - Curitiba-PR
Muito boa crônica. O passado é muito impotante na vida da gente. Os cinemas desta terra formavam o ponto cultural e artistico do sudoeste e norte de Minas. O canal 100 era minha paixão. Como fico triste com estado de abandono do nosso Madrigal. Como é bom lembrar das coisas que marcaram a nossa juventude. Breve estarei aí para amigo para visitar nosso pessoal.abs.José carlos
Ezequiel,
Boa crônica. Vocé é um cronista bambambã!
Abração do primo,
Renato Senna
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