sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Academia do Papo


Menor Maior (I)

Para escrever uma crônica sobre o tema Menores do Brasil confesso que me senti pouco atraído em pesquisar o Estatuto da Criança e do Adolescente e, porque não dizer, também outras fontes autorizadas. Gostaria de abordá-lo utilizando unicamente a intuição ou, como diria doutor Alceu: “utilizando apenas a sabedoria do coração” (será que a tenho?). Ademais, isto aqui não é artigo científico e o próprio autor [eu] apesar de acadêmico há quase trinta anos, adoro ser não-acadêmico. O academismo ou academicismo me enfada. Em todas as oportunidades fora do meu território - a Universidade – sempre me comporto como não acadêmico e por isso, busco incessantemente ser o menos chato possível. Aproveito para confessar outro aspecto: quando enveredo pelos caminhos da elaboração teórica, o faço como fazia o monumental Gilberto Freyre (como veem sou pouco modesto). O homem era tão discreto (só no convívio pessoal) que todas as pessoas que tiveram o privilégio de sua companhia jamais imaginavam estar diante de um acadêmico por excelência [Columbia, Stanford, Oxford]. A sua postura no contato com o homem do povo era sempre marcada pelo enorme desapego ao jargão universitário. Porém se iludia quem não lhe desse o devido valor: ele era detentor de altíssima erudição no campo das ciências sociais. E para orgulho da Pátria esse reconhecimento transcendia o plano nacional e reluzia no internacional (ah, quem dera eu tivesse um pouquinho do conhecimento do mestre de Apipucos!).


Mas o Sr. Freire apresentava outro aspecto peculiar, anotado pela ironia inteligente de Darci Ribeiro no prefácio à 43ª edição do Casa Grande & Senzala (Editora Record): “Gilberto tem uma característica com que simpatizo muito. Como eu, ele gosta que se enrosca de si mesmo. Saboreia elogios como a bombons. Sendo este seu jeito natural, em torno dele se orquestra um culto que Gilberto preside contente e insaciável. Apesar de mais badalado que ninguém, é ele quem mais se badala. Abre seus livros com apreciações detalhadas sobre suas grandezas e notícias circunstanciadas de cada pasmo que provoca pelo mundo afora. E não precisava ser assim. Alguns de nós, superlativamente. Guimarães Rosa, o maior estilista brasileiro, nos diz que o estilo de Gilberto já por si daria para obrigar nossa admiração. Anísio Teixeira nos pede que nos antecipemos a Gilberto a grandeza que o futuro há de reconhecer nele, porque ficamos mais brasileiros com a sua obra. Fernando Azevedo arremata “que todos lhe devemos - a Gilberto – um pouco do que somos e muito do que sabemos”.

Torno a repetir: Quem não conhecesse Gilberto Freyre e o encontrasse longe das cercanias acadêmicas, pensava tratar-se apenas de um boêmio mergulhado em saudosismos, vivendo sob fluxos temporais combinando passado, presente e futuro em direção a dezenas de galáxias. Gilberto era nostálgico, vivo e buliçoso. Adorava uma mulata (e quem não gosta?) e mexia com todo mundo, gostassem ou não de suas pilhérias. Intimamente, dizem alguns comentaristas, o homem não ocultava ser proprietário de reconhecido erotismo plural. Não sei bem o significado dessa expressão (ou pelo menos finjo não entender).

De uma coisa nos ressentimos: Gilberto morreu [1987] sem ter deixado um trabalho para nos auxiliar na elaboração de um projeto visando melhorar a vida de nossas crianças e adolescentes. O tema foi e tem sido abordado centenas de vezes e nalgumas dessas, até com certo brilho. Jorge Amado foi um dos que contribuíram para reflexão sobre o problema. Em sua obra Capitães de Areia abordou a questão dando indicações que já naquela época [da feitura do livro] havia um mundo de crianças e adolescentes totalmente abandonado. A coisa foi se agravando e para nosso desespero temos hoje em nossas ruas – sem o quê fazer - um enorme contingente de crianças e jovens adolescentes longe de qualquer perspectiva de um mundo melhor.

O que fazer? O IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] já sinalizou que se o nosso crescimento for inferior a 4% anualmente, o país não terá capacidade de recepcionar um milhão e quinhentos mil jovens postulantes a novos empregos. A coisa é séria. Por outro lado temos uma estrutura sócio-cultural que desenvolve mentalidades pouco comprometidas com a cidadania. Não tenho o menor remorso em afirmar que nossa mídia contribui pouco para a formação de cidadãos. Os governos não sabem o que fazer com essa massa de meninos e meninas sem futuro. Nossa mídia se encarrega de fazer um trabalho barra pesada que é o de disseminar a idéia dos falsos valores. Nossas crianças estão vulneráveis e têm como modelo de prestígio apenas aquilo que nossas mídias enfatizam como exemplares. Quer saber? Todo mundo só sonha ser Gisele Bündchen, Juliana Paes, Ronaldo Fenômeno, Kaká, Alexandre Pato e outros deuses midiáticos. Como a maioria não consegue, deriva para um desagradável personagem: O Menor-Maior deliquente. Menor para ser protegido pela Lei e Maior para matar e roubar com crueldade. Vocês que sabem tudo, respondam: De quem é a culpa? Que mundo é este? Depois a gente continua. Um abraço cordial e até a próxima.

Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR


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