segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Romaria atrai 60 mil à Ituaçu


Juscelino Souza, A Tarde
celinosouza@grupoatarde.com.br
FOTO: José Silva – Agência A Tarde
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Toda fé tem o seu preço. Na tradicional romaria à Gruta da Mangabeira, no pequeno município de Ituaçu (524 km de Salvador) não é diferente. De carro, caminhão, bicicleta ou a pé a distância é vencida todos os anos, entre agosto e setembro, por mais 60 mil visitantes, entre romeiros, pagadores de promessa, curiosos ou comerciantes de toda a sorte de artigos.

O preço da fé pode ser traduzido no esforço do comerciante Valdemar Francisco, de Itabuna, sul do Estado, que gastou mais de R$300,00 na viagem de mais de 300 quilômetros; num pacote com 6 velas ou na variedade de 20 fitinhas coloridas oferecidas pela ambulante Jéssica dos Santos Silva, por R$ 1,00 ou de R$15,00 a R$20,00 de taxa cobrada pelos guias para conduzir o visitante até o final da exuberante gruta.

A maior romaria do Sudoeste baiano não rivaliza em números de pessoas com a de Bom Jesus da Lapa, na região Oeste – que contabiliza 300 mil visitantes em agosto, mas quem vislumbra a pujança da gruta de Ituaçu não tem dúvidas que sua beleza supera a de todas as outras existentes no Estado.

A entrada da caverna tem 20 metros de largura por 10 de altura e para se chegar ao primeiro salão é preciso deixar o medo de lado e descer lentamente os 99 degraus da escadaria de cimento e pedra. A saída exige esforço maior. “São 196 degraus e quatro rampas”, informa o guia turístico Elton Nery.

“A gente fica deslumbrado com algo assim tão belo e, ao mesmo tempo, assustador”, revela o romeiro Almir Pereira. De joelhos, ouvindo uma das primeiras missas do dia, ele não contém o choro. “Vim trazer uns objetos pra serem benzidos e vou me confessar também”.

Encravado na linha imaginária que corta a Chapada Diamantina e a Serra do Sincorá, em pleno semi-árido, o município de Ituaçu, encontra na lavoura cafeeira seu maior sustento econômico, mas aos poucos a terra-natal de Gilberto Gil e Moraes Moreira desperta sua vocação para o turismo eco-religioso.

E, curiosamente, a trajetória vitoriosa de Moraes está ligada a uma tragédia ocorrida numa das romarias à gruta. Foi nesse local que Fidélis, o melhor sanfoneiro da região, cometeu um homicídio a facadas e foi preso. “Foi com Fidélis que aprendi a tocar, pois quase todos os dias eu ia visitá-lo na cadeia para ele me ensinar”, revela Moraes em sua biografia.

Abençoado pela natureza, além do atrativo natural de devotos do Sagrado Coração de Jesus, na Gruta da Mangabeira, Ituaçu é a pedida aos que curtem a natureza em seu estado bruto. Cachoeiras e grutas em pequena escala agregam valor à viagem, que tanto pode ser breve, como durar uma semana ou mais.

Por enquanto o município de pouco mais de 18 mil habitantes conta apenas com a proteção divina para manter preservado seu rico patrimônio natural, cultural e arquitetônico. A romaria tem a maior concentração de público em setembro, mais exatamente dia 3, o ponto alto da festa profana e religiosa.

Nem sempre foi nesse período. Os festejos eram realizados em 3 de junho, mas devido às chuvas recorrentes no período houve a mudança para os meses de agosto e setembro, permanecendo o calendário inalterado até os dias atuais.

A maioria dos visitantes é oriunda das regiões Sul, Extremo Sul, Oeste e Sudoeste. Logo eles se misturam aos de outros cantos do Estado e do restante do País, como os que chegam em caravanas de São Paulo, Espírito Santos, Distrito Federal e São Paulo.

Tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, em 1962, a gruta tem extensão total de 3.230 metros, sendo que 1.780 dos quais iluminados e divididos em seis circuitos. Para se chegar ao interior do salão principal dos dois altares do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, o romeiro tem que obrigatoriamente enfrentar a escadaria.

Não é fácil. É muito cansativo, tanto para criança quanto para adulto e ainda mais idosos, mas a fé e a sensação da promessa cumprida validam cada gota de suor. Cada canto é uma descoberta particular. “Uns dizem que enxergam uma mão, outros falam que vêem o rosto de Jesus e assim cada visita é uma surpresa”, revela Euflosina Moreira de Araújo.

O cenário espeleológico, palco de uma das maiores grutas do País, tem mais do que 3.230 metros de extensão. Recentes medições mostram que a caverna tem ainda 75 metros no subsolo da serra, com salões esculpidos pela ação do tempo que variam de um a vinte metros de altura por 15 de largura.

A gruta, ainda destacada por estalactites (precipitado mineral, alongado, que se forma nos tetos das cavernas ou dos subterrâneos) e estalagmites (formado no solo duma caverna ou subterrâneo, e resultante dos respingos caídos do teto) é limitada no lado esquerdo e externo, depois da lombada da serra, pela lagoa da Mangabeira, com cerca de 500 metros de comprimento por 200 metros de largura e que chega a atingir 6 metros de profundidade de água doce.

O guia Redmilson Lima Silva, 50 anos de idade e pelo menos 40 dedicados à condução de visitantes pelas galerias, conhece como poucos o lugar. Sob a luz de um lampião a gás ele estimula os romeiros a ver figuras como pássaros, jacaré, cortinas, mesas, anjos, Cristo crucificado, ocas, mãos e o famoso coração de Jesus.

A ausência de luz natural na maior parte do percurso não foi obstáculo para pelo menos 52 espécies de seres vivos, entre grilos albinos, aranhas e escorpiões. “É mais uma prova de que este lugar deve ser preservado e mantido intacto, por isso é que dizemos aos turistas que daqui só se tira fotos e só ficam lembranças”, finaliza.

HISTÓRIA – Reza a lenda que as primeiras incursões à gruta, em forma de romaria religiosa, começaram por volta do século XVIII e desde então se repetem anualmente.

Os olhares se voltaram para o local, rapidamente transformado em santuário e abarcado pela Igreja Católica (sob a supervisão da administração municipal), devido a uma lenda passada de pai para filho, sustentada pelos moradores mais idosos e referendada pelos historiadores locais.

Contam que há quase 300 anos um vaqueiro campeava o gado, com auxílio de um cão pastor e se perdeu na mata em busca de uma rês e de um bezerro desgarrados do rebanho. Subitamente seu cavalo deu um passo em falso e caiu num enorme buraco, levando consigo o vaqueiro e o cão.

Precipitado no abismo e sentindo a morte se aproximar, o vaqueiro teria invocado o nome do Sagrado Coração de Jesus. As preces, garantem os historiadores, foram atendidas. Mesmo tendo caído de altura de mais de 45 metros, cavalo, cão e cavaleiro chegaram sãos e salvos em terra firme e conseguiram encontrar a saída da gruta.

O gado, que também havia despencado antes, igualmente sobreviveu e foi retirado do local, a pouco mais de 100 metros da saída principal. A notícia se espalhou e o povo começou ali a visitação ao que consideravam local sagrado, dando início à devoção ao Coração de Jesus.

“Os primeiros romeiros chegavam a pé ou no lombo dos animais, mais com o passar dos anos, eles começaram a fretar caminhão e agora está ainda mais moderno, com gente de carro próprio, ônibus e motos”, repetem os guias.

É no povoado da Mangabeira, aglomeração de casas com 700 moradores e distante três quilômetros do centro da cidade, que a caminhada até a gruta começa. O espocar de fogos desperta os retardatários e anunciam as primeiras celebrações do dia.

Carente de infra-estrutura, o povoado dispõe apenas de 120 leitos nas três hospedarias e pouco mais de 50 cômodos para aluguel nessa época do ano. Os preços variam entre R$15,00 e R$ 20,00 por pernoite.

Também é no povoado que fica o Centro de Formação Turística, mantido pela Prefeitura com 26 guias na época da festa e 6 com cadastros permanentes para atender os turistas durante todo o ano.

Para preservar o local e evitar que os visitantes retirem pedras da gruta, como acontecia até pouco tempo, os romeiros que querem conhecer toda extensão do santuário de mais de 3 quilômetros são divididos em grupos de no máximo 50 pessoas.

“Até os 850 metros iluminados a taxa é de R$15, 00, independentemente da quantidade de pessoas até 50 e até o final, R$20,00”, informa a direção do centro. “O dinheiro é aplicado na preservação da gruta e o guia também é fiscal, porque evita a depedração do santuário”, explica Zilma Ramos.

No povoado existe ainda estacionamento para carros, ônibus e caminhões, um camelódromo organizado e serviços de abastecimento de água, saneamento e sanitários públicos.



SAIBA MAIS:

Geografia

Originalmente o território de Ituaçu era habitado por índios maracaiares e tapajós, nas margens do Rio das Contas, no lugar chamado de Brejo Grande, primitiva denominação do lugar. Dentre outros exploradores a região teve como pioneiro André da Rocha Pinto, a partir de 1720.

Em 1862 passou à condição de distrito do Brejo Grande e em 1867 foi elevado à condição de município, com o nome de Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande, instalado no ano seguinte como cidade, com o nome de Ituaçu.

Municípios limítrofes

Norte: Jussiape e Barra da Estiva

Sul: Brumado e Tanhaçu

Leste: Contendas do Sincorá e Tanhaçu

Oeste: Rio de Contas e Brumado



Turismo

Cachoeira das Moendas – Situada no Riacho Cainana, tem cerca de 60 metros de altura. De águas cristalinas que formam belas piscinas naturais, é convite para um banho refrescante. A cachoeira é a porta de entrada para um vale com diversos poços. Fica a 8 km da cidade.

Rio da Bica - Oferece várias opções como os poços do Violão e do Coração.

Cachoeira do Rio Mato Grosso – Localiza-se a 2 km da cidade e seu rio forma os poços das Moças, dos Olhos, do Perau, da Amizade, do Ouro e a Piscina Olímpica, além de pequenas cascatas.

Passagem Grande - Rio afluente do Mato Grosso, desce as serras dos Geraes, formando um verdadeiro santuário. De águas muito limpas e vegetação praticamente intocada.

Como chegar: De Salvador pela BR-324 até Feira de Santana, BR-116 até entroncamento de Jaguaquara, depois segue-se pelos municípios de Itiruçu, Maracás, Contendas do Sincorá e Tanhaçu. De Vitória da Conquista, passando por Anagé, via BA 262, até o entroncamento pata Tanhaçu. Segue-se desse município até Ituaçu, em estrada de asfalto.

Fontes: Prefeitura de Ituaçu (77) 3415 2318

Centro de Informações Turísticas (77) 3415 6004


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