La Bombonera e a Mamoneira
Se o amigo é Conquistense como os irmãos Maurão e Marcelo - o primeiro é dono de um Bar no Terminal Lauro de Freitas e o segundo não sei por onde anda - certamente gosta de futebol e já ouviu falar em La Bombonera, o famoso Estádio do Boca Juniores. Pois não é que Vitória da Conquista, sem querer, imitou Buenos Aires e criou nos idos de 50 até final dos anos 70 um ambiente com nome parecido chamado A Mamoneira? E se você, caro amigo, for Conquistense da gema, deve ter ido pelo menos uma vez visitar aquele local. A Mamoneira, juntamente com o Magassapo, eram dois pedaços da área central da cidade mantidos em altíssima discrição. Foi lá onde durante muitos anos funcionou o famoso Cabaré de Branca. Pois é, amigos, onde hoje está o nosso Ceasa, funcionavam casas de tolerância (aquelas das luzinhas vermelhas) e que nas horas de aperto, a rapaziada prá lá se dirigia, com o justificado apelo de “trocar o óleo”. Era um alívio. Muitas e muitas vezes, vi cabôco saindo daquele local palitando os dentes, na maior cara de pau. Parecia estar saindo de uma churrascaria (aliás esse hábito hoje é pouco recomendado).
Mas o fato é que A Mamoneira cumpria seu papel social (ou sexual?) muito relevante. À medida que o cabôco se sentia apertado, sem carinho e sem afeto, dirigia-se até romantismo daquele ambiente de luzes crepusculares e com uns vinte ou trinta mirréis, aliviava suas aflições deixando suas perversões animalescas sublimadas. Creio que a diferença básica entre La Bombonera e A Mamoneira reside na psicologia e no aspecto dos indivíduos ao saírem dos dois ambientes.
No Estádio da Bombonera o sujeito entra excitado, por causa de sua expectativa em relação ao jogo e, independente do resultado, sai mais ainda. Na Mamoneira a coisa era diferente. O sujeito chegava excitado e saía aliviado. Claro, sua energia entrava em estado de repouso após o “serviço” e o cabôco ficava calminho. Quando ele saía da casa das meninas, tornava visível o sorriso inzoneiro somado a uma indisfarçável expressão de quem acabara de participar de algo estimulante.
A clientela dos cabarés da Mamoneira eram homens simples, sem muita diplomação. Em geral, exerciam ofícios de pedreiros, barraqueiros, sapateiros, motoristas de caminhão, marceneiros, barbeiros cisterneiros (a Praça da Bandeira era cheia desses), etc. Gente boa que gostava de comer “capim” fora do pasto. Alguns diziam com juvenil contentamento: “Cavalo amarrado, também come”. Depois chegavam a Avenida (antigamente o Terminal Lauro de Freitas era chamado de Rua da Avenida, pode?) com uma vontade enorme de beber uma geladinha e refletir sobre o acontecimento. Rua da Avenida? Penso que a nossa mania de pleonasmos se consagrou a partir do próprio nome da cidade: Vitória da Conquista.
Ainda guardo imagens daqueles “cabôco”, cheios de alegria, caras de sonso, fingindo inocência para as suas companheiras oficiais. Em um sábado daqueles idos de 1960, vi uma das meninas de Branca dando uma dura em um deles. Acho que estava apaixonada pelo sujeito. Acontece que a mulher do dito cujo estava ao lado e a “menina” não sabia. Caro amigo, foi uma baixaria da zorra na Praça da Bandeira. O pior é que quando um sujeito é surpreendido em erro, a moral dele, não tem jeito, vai pro brejo.
O cara amarelou, esverdeou e a “menina” mandou sobre ele um repertório completo de chulismos de mangalaça. A esposa, aproveitando os ressentimentos acumulados ao longo do casamento, achou oportuna a ocasião e descascou uma série de impropérios sobre o companheiro. Foi uma lavação de roupa como há muito não se via na velha Praça. Eu, menino, anotava mentalmente todos os lances. A mulher xingava de um lado e a rapariga grasnava do outro. E eu não arredava do local. Sem ter o que fazer - e contando com a neutralidade de menino - não desgrudava os olhos do “ordinário”. O sujeito tava mais apertado do que parafuso de nave espacial. A polícia chegou, avaliou a situação e deu um grito de basta (naquela época a gente tinha mais medo de policia, do que as codornas têm de espingarda de dois canos). Depois do esporro da PM, me mandei junto com os demais curiosos, Dias depois, andava eu de bicicleta pela Avenida Frei Benjamin e eis que o Don Juan estava lá, com outra mulher que não era nenhuma daquelas da Feira. Pensei comigo: Ah, se a mulher desse sujeito aparecesse agora. Depois fiquei matutando: Por que as mulheres, volta e meia, chamam os homens de descarados? Hoje eu entendo. A Mamoneira acabou. Nunca mais ouvi falar de Branca. Alguém sabe? Maurão continua firme na Avenida. Acho que vou passar lá prá beber uma gelada. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires Professor UESB-FAINOR
Se o amigo é Conquistense como os irmãos Maurão e Marcelo - o primeiro é dono de um Bar no Terminal Lauro de Freitas e o segundo não sei por onde anda - certamente gosta de futebol e já ouviu falar em La Bombonera, o famoso Estádio do Boca Juniores. Pois não é que Vitória da Conquista, sem querer, imitou Buenos Aires e criou nos idos de 50 até final dos anos 70 um ambiente com nome parecido chamado A Mamoneira? E se você, caro amigo, for Conquistense da gema, deve ter ido pelo menos uma vez visitar aquele local. A Mamoneira, juntamente com o Magassapo, eram dois pedaços da área central da cidade mantidos em altíssima discrição. Foi lá onde durante muitos anos funcionou o famoso Cabaré de Branca. Pois é, amigos, onde hoje está o nosso Ceasa, funcionavam casas de tolerância (aquelas das luzinhas vermelhas) e que nas horas de aperto, a rapaziada prá lá se dirigia, com o justificado apelo de “trocar o óleo”. Era um alívio. Muitas e muitas vezes, vi cabôco saindo daquele local palitando os dentes, na maior cara de pau. Parecia estar saindo de uma churrascaria (aliás esse hábito hoje é pouco recomendado).
Mas o fato é que A Mamoneira cumpria seu papel social (ou sexual?) muito relevante. À medida que o cabôco se sentia apertado, sem carinho e sem afeto, dirigia-se até romantismo daquele ambiente de luzes crepusculares e com uns vinte ou trinta mirréis, aliviava suas aflições deixando suas perversões animalescas sublimadas. Creio que a diferença básica entre La Bombonera e A Mamoneira reside na psicologia e no aspecto dos indivíduos ao saírem dos dois ambientes.
No Estádio da Bombonera o sujeito entra excitado, por causa de sua expectativa em relação ao jogo e, independente do resultado, sai mais ainda. Na Mamoneira a coisa era diferente. O sujeito chegava excitado e saía aliviado. Claro, sua energia entrava em estado de repouso após o “serviço” e o cabôco ficava calminho. Quando ele saía da casa das meninas, tornava visível o sorriso inzoneiro somado a uma indisfarçável expressão de quem acabara de participar de algo estimulante.
A clientela dos cabarés da Mamoneira eram homens simples, sem muita diplomação. Em geral, exerciam ofícios de pedreiros, barraqueiros, sapateiros, motoristas de caminhão, marceneiros, barbeiros cisterneiros (a Praça da Bandeira era cheia desses), etc. Gente boa que gostava de comer “capim” fora do pasto. Alguns diziam com juvenil contentamento: “Cavalo amarrado, também come”. Depois chegavam a Avenida (antigamente o Terminal Lauro de Freitas era chamado de Rua da Avenida, pode?) com uma vontade enorme de beber uma geladinha e refletir sobre o acontecimento. Rua da Avenida? Penso que a nossa mania de pleonasmos se consagrou a partir do próprio nome da cidade: Vitória da Conquista.
Ainda guardo imagens daqueles “cabôco”, cheios de alegria, caras de sonso, fingindo inocência para as suas companheiras oficiais. Em um sábado daqueles idos de 1960, vi uma das meninas de Branca dando uma dura em um deles. Acho que estava apaixonada pelo sujeito. Acontece que a mulher do dito cujo estava ao lado e a “menina” não sabia. Caro amigo, foi uma baixaria da zorra na Praça da Bandeira. O pior é que quando um sujeito é surpreendido em erro, a moral dele, não tem jeito, vai pro brejo.
O cara amarelou, esverdeou e a “menina” mandou sobre ele um repertório completo de chulismos de mangalaça. A esposa, aproveitando os ressentimentos acumulados ao longo do casamento, achou oportuna a ocasião e descascou uma série de impropérios sobre o companheiro. Foi uma lavação de roupa como há muito não se via na velha Praça. Eu, menino, anotava mentalmente todos os lances. A mulher xingava de um lado e a rapariga grasnava do outro. E eu não arredava do local. Sem ter o que fazer - e contando com a neutralidade de menino - não desgrudava os olhos do “ordinário”. O sujeito tava mais apertado do que parafuso de nave espacial. A polícia chegou, avaliou a situação e deu um grito de basta (naquela época a gente tinha mais medo de policia, do que as codornas têm de espingarda de dois canos). Depois do esporro da PM, me mandei junto com os demais curiosos, Dias depois, andava eu de bicicleta pela Avenida Frei Benjamin e eis que o Don Juan estava lá, com outra mulher que não era nenhuma daquelas da Feira. Pensei comigo: Ah, se a mulher desse sujeito aparecesse agora. Depois fiquei matutando: Por que as mulheres, volta e meia, chamam os homens de descarados? Hoje eu entendo. A Mamoneira acabou. Nunca mais ouvi falar de Branca. Alguém sabe? Maurão continua firme na Avenida. Acho que vou passar lá prá beber uma gelada. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires Professor UESB-FAINOR
3 comentários:
Saudades da momoneira!. Concordas. Jean.
Paulo você é realmente fantátistico. Dizer que a gente saia de lá palitando os dentes é muito bom. Quase me matou de rir!
Ezequiel Sena
O amigo Paulo está de parabéns pela crônica, pois possui uma reminiscência maravilhosa, o que nos fez voltar ao tempo de uma maneira bastante saudosa. Conhece como ninguém o passado de Conquista, que deve se recordar da Etmisa(empresa de transportes) do Bar Gato Preto, do Poleiro, do Chalé, da Panificadora Vitória, etc, etc.
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