A derrota da máscara
Falando sério. Ia escrever sobre a derrota do Flamengo para o América do México (3 a Zero, pleno Maracanã). O jogo foi incrível. O Flamengo entrou com tanta máscara que esqueceu o adversário. O América ficou tão acabrunhado com a mascaração dos puxa sacos de Joel Santana que resolveu aplicar na pleura do time da Gávea um relho de couro cru dos antigos astecas. Bem feito. Meu amigo Márcio Ferraz, auxiliar de Nailton Prates, vai ficar surpreso com a minha renúncia em me estender sobre o jogo. É que a gente não deve – como dizia o Samuel Wainer – bater em coisas e pessoas que já estão no chão. Portanto, deixo o Flamengo e os flamenguistas em paz.
O Maracanã volta e meia é palco de castigos em times mascarados. Desses, o mais vivo em nossa mente foram aqueles 2 a 1 que sofremos em 1950, frente a Seleção do Uruguai. O capitão da Seleção uruguaia Obdúlio Varela, disse que se soubesse que guardaríamos aquela derrota com tanto rancor, teria pedido aos seus companheiros para deixar o jogo correr ao nosso favor. Realmente, até hoje as velhas gerações não conseguem superar e digerir aquela derrota dentro de casa, assim como não conseguimos engolir aquela de 1982, frente a Seleção Italiana.
Mas o futebol, assim como a política, é uma verdadeira “caixinha de surpresa”. Temos dificuldades enormes com as nuanças dessas duas atividades da vida humana. Nelson Rodrigues, com aquela forma personalíssima de dizer as coisas, afirmava em seu receituário que devemos sempre pedir ajuda aos deuses do futebol. Se a gente se esquecer deles, dizia Nelson, eles nos abandonam e aí a vaca vai para o brejo. E concluía dizendo que muitas vezes o castigo imposto pelos deuses decorre da punição necessária pela máscara exibida por times que não sabem respeitar adversários. É isso aí.
O título desta crônica, A derrota da máscara, é o mesmo que foi dado naquele junho de 1950, quando saímos do Maracanã derrotados pela Seleção do Uruguai. O famoso jornal Correio da Manhã (de Paulo Bitencourt) estampou esta manchete. Nosso time entrou em campo com faixas de campeão, todo mundo com expressão de “já ganhou” no rosto. Os jogadores nem olhavam para o timezinho do Uruguai. Todas as pessoas exibiam uma máscara só. O Maracanã lotado. Mulheres da alta sociedade, do subúrbio, da zona norte, da zona sul, meninos, meninas, velhos, moços, todo mundo com o caneco na mão. De repente um uruguaiozinho de nome Ghigia, do tamanho de João Cavalinho (porém mais magro), pega a bola e desce em alta velocidade pela ponta direita. Dá um corte em Bigode (nosso lateral esquerdo) espera a chegada de Juvenal (nosso zagueiro central) e antes da chegada deste, dá um chute rasteiro tipo aqueles que os meninos do Alto Maron chamavam de “bufa de véi”, e a miserável da bola vai se deitar do lado esquerdo, no fundo da rede de Barbosa (nosso goleiro). O Maracanã silenciou. Até eu, que nasci um ano e cinco meses depois, ouvi o silêncio. Ademir, nosso goleador, parou e, dizem os cronistas, não mais se aproximou da área, com medo da chuteira de chumbo de Obdúlio.
O Uruguai parecia estar fazendo uma recreação em um dos balneários de Punta Del Este. Quando o juiz apitou o final do jogo, a choradeira tomou conta de todos. Os olhos das pessoas estavam incrivelmente vermelhos com lagrimas que mais pareciam sangue. Era o nosso sangue em forma de lágrimas. Há um mistério dentro do futebol e há mistérios dentro da política. Quando a gente participa de um certame e perde, fica com a sensação de ter-se iludido. No meio do caminho de nossa vida, dizia o poeta, a gente fica ou se sente como numa selva selvagem. Na política também é assim. São campos oníricos, que podem se transformar em grandes pesadelos.
O nosso Conquista quase chegou lá. Mas na última hora, sentiu o peso de certa imaturidade. Nem por isso deixaremos de torcer por ele. Agora é que ele precisa de todos. Lamentamos a ausência do Rafael e do Tatu, ao mesmo tempo em que desejamos aos dois atletas muito êxito em seus novos times. Por favor, não fiquem mascarados. O tempo passa, o tempo voa e a melhor coisa é continuar numa boa. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.
Falando sério. Ia escrever sobre a derrota do Flamengo para o América do México (3 a Zero, pleno Maracanã). O jogo foi incrível. O Flamengo entrou com tanta máscara que esqueceu o adversário. O América ficou tão acabrunhado com a mascaração dos puxa sacos de Joel Santana que resolveu aplicar na pleura do time da Gávea um relho de couro cru dos antigos astecas. Bem feito. Meu amigo Márcio Ferraz, auxiliar de Nailton Prates, vai ficar surpreso com a minha renúncia em me estender sobre o jogo. É que a gente não deve – como dizia o Samuel Wainer – bater em coisas e pessoas que já estão no chão. Portanto, deixo o Flamengo e os flamenguistas em paz.
O Maracanã volta e meia é palco de castigos em times mascarados. Desses, o mais vivo em nossa mente foram aqueles 2 a 1 que sofremos em 1950, frente a Seleção do Uruguai. O capitão da Seleção uruguaia Obdúlio Varela, disse que se soubesse que guardaríamos aquela derrota com tanto rancor, teria pedido aos seus companheiros para deixar o jogo correr ao nosso favor. Realmente, até hoje as velhas gerações não conseguem superar e digerir aquela derrota dentro de casa, assim como não conseguimos engolir aquela de 1982, frente a Seleção Italiana.
Mas o futebol, assim como a política, é uma verdadeira “caixinha de surpresa”. Temos dificuldades enormes com as nuanças dessas duas atividades da vida humana. Nelson Rodrigues, com aquela forma personalíssima de dizer as coisas, afirmava em seu receituário que devemos sempre pedir ajuda aos deuses do futebol. Se a gente se esquecer deles, dizia Nelson, eles nos abandonam e aí a vaca vai para o brejo. E concluía dizendo que muitas vezes o castigo imposto pelos deuses decorre da punição necessária pela máscara exibida por times que não sabem respeitar adversários. É isso aí.
O título desta crônica, A derrota da máscara, é o mesmo que foi dado naquele junho de 1950, quando saímos do Maracanã derrotados pela Seleção do Uruguai. O famoso jornal Correio da Manhã (de Paulo Bitencourt) estampou esta manchete. Nosso time entrou em campo com faixas de campeão, todo mundo com expressão de “já ganhou” no rosto. Os jogadores nem olhavam para o timezinho do Uruguai. Todas as pessoas exibiam uma máscara só. O Maracanã lotado. Mulheres da alta sociedade, do subúrbio, da zona norte, da zona sul, meninos, meninas, velhos, moços, todo mundo com o caneco na mão. De repente um uruguaiozinho de nome Ghigia, do tamanho de João Cavalinho (porém mais magro), pega a bola e desce em alta velocidade pela ponta direita. Dá um corte em Bigode (nosso lateral esquerdo) espera a chegada de Juvenal (nosso zagueiro central) e antes da chegada deste, dá um chute rasteiro tipo aqueles que os meninos do Alto Maron chamavam de “bufa de véi”, e a miserável da bola vai se deitar do lado esquerdo, no fundo da rede de Barbosa (nosso goleiro). O Maracanã silenciou. Até eu, que nasci um ano e cinco meses depois, ouvi o silêncio. Ademir, nosso goleador, parou e, dizem os cronistas, não mais se aproximou da área, com medo da chuteira de chumbo de Obdúlio.
O Uruguai parecia estar fazendo uma recreação em um dos balneários de Punta Del Este. Quando o juiz apitou o final do jogo, a choradeira tomou conta de todos. Os olhos das pessoas estavam incrivelmente vermelhos com lagrimas que mais pareciam sangue. Era o nosso sangue em forma de lágrimas. Há um mistério dentro do futebol e há mistérios dentro da política. Quando a gente participa de um certame e perde, fica com a sensação de ter-se iludido. No meio do caminho de nossa vida, dizia o poeta, a gente fica ou se sente como numa selva selvagem. Na política também é assim. São campos oníricos, que podem se transformar em grandes pesadelos.
O nosso Conquista quase chegou lá. Mas na última hora, sentiu o peso de certa imaturidade. Nem por isso deixaremos de torcer por ele. Agora é que ele precisa de todos. Lamentamos a ausência do Rafael e do Tatu, ao mesmo tempo em que desejamos aos dois atletas muito êxito em seus novos times. Por favor, não fiquem mascarados. O tempo passa, o tempo voa e a melhor coisa é continuar numa boa. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário