sexta-feira, 24 de julho de 2009

Academia do Papo


Viver: uma coisa rara

Segundo Oscar Wilde “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Concordo plenamente com o irlandês. A grande massa não vive, apenas existe. E, pior, tem alguns que nem existem, vegetam! Será que isso é verdade? Pompeu [grande general romano] exortava os seus comandados dizendo: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. A coisa estava tão feia para as suas legiões que ele [Pompeu] insistia com os subordinados que deixassem de pensar na vida e apenas navegassem. Penso que uma grande e silenciosa maioria deixou de viver há muito e hoje se dedica exclusivamente ao exercício de existir. São duas coisas opostas. Quando penso nisso me vem à mente o pensamento de Goethe: “Todos temos o dever de transformar nossas vidas em uma obra de arte”. Infelizmente a grande maioria não consegue, nem vai conseguir. Prá ser honesto, a grande massa vive aquilo que o pensador Mangabeira Unger disse ser “a vida mergulhada na tragédia humana da existência”.


Há poucos dias encontrei-me com o filósofo Cansadinho e ele, sempre preocupado em manifestar suas observações, disse-me que agora com mais de quarenta anos, estava se dedicando ao exercício de analisar atentamente a vida. Acrescentou que não observava apenas a sua, que ultimamente tem tomado um direcionamento muito bom, mas também a dos outros. Não escondeu quanto estava feliz com o momento atual. E pronunciou com satisfação sobre os êxitos que estava logrando. Concluiu sua fala dizendo com ar de agradecimento: “Deus aperta, mas não enforca”. Ouvia-o atentamente quando passou pela calçada um conhecido cidadão. Era um desses que a sociedade classifica como um “homem de sucesso”.

Estávamos no Terminal Lauro de Freitas, em frente ao Panvicon Center [Rafael e Ana Paula] quando o empresário passou por nós. O homem estava ligeiramente esbaforido. Cansadinho o cumprimentou e ele correspondeu. Mas nem deu conta de minha presença (isso sempre acontece). Com o afastamento do empresário, nosso filósofo deitou falação sobre a vida do cidadão. O homem tem não sei quantas fazendas – de gado e café – não sei quantos imóveis alugados, não sei quanto não sei o quê! Um patrimônio, segundo Cansadinho, de respeito. Mas leva uma vida “disgramada”, arrematou. Coitado, está escravo do dinheiro, concluiu. Sobre o dinheiro, Caetano Veloso alertou sinteticamente ser a grana responsável por “construir e destruir coisas belas”. À medida que demonstrava entusiasmo com o patrimônio do apressado empresário, notei que além da admiração constava sua crítica à escravidão do “homem rico” ao dinheiro. É uma loucura, disse-me o filósofo.

Sem mencionar mais ninguém, iniciou uma digressão: “O sujeito deixa de lado coisas maravilhosas para ganhar dinheiro. Quando dá conta, está todo “brocado”. Colesterol lá em cima, açúcar idem, veias entupidas, dores na coluna, nas pernas e o escambau. Não está dormindo direito, faz xixi de 15 em 15 minutos e está com a digestão cada dia mais lenta. Desse momento em diante, baixa-lhe uma tristeza sem termo. A família começa a lhe atazanar. Não pode mais beber. Não pode mais comer. Não pode mais andar sozinho senão vai comer porqueira na rua e a partir daí começa a sentir sua vida indo para o beleléu. Os finais de semana são horrorosos. Fica em casa, olha prá mulher, a mulher olha prá ele, geralmente censurando-o ou com dó do infeliz (isso o irrita mais ainda) e assim vai sua vida, com sombras e mais sombras caindo sobre si”.

“Devido ao estado de saúde, não pensa mais em arranjar uma amante. Sua única preocupação é a saúde. Essa mesma que ele gastou prá ganhar dinheiro. Agora e apesar de tanto patrimônio, está em casa, triste, com as pernas doendo, o pâncreas preguiçoso, os rins filtrando pouco e os filhos morando fora”.

Continuando, Cansadinho diz que “o sujeito vai ao jardim da casa, vê uma flor. Mas prá que flor? Prá quem? Se ele arrancar uma e levar para mulher, vai ganhar um piparote por ter desfigurado o pé de rosa. E até levantar a suspeita de que a está adulando para esconder suas sem vergonhices com alguma rapariga no meio da semana. É preciso cuidado com o que faz”.

Viajar? Prá onde? E se lhe acontecer uma coisa na viagem? Melhor ficar em casa. Enquanto falava e eu escutava, passou uma morena que pelos trejeitos deve ser do Bairro Jurema. A moça paralisou a calçada do Panvicon. Era uma morena jambo que vamos respeitar! De repente esquecemos o empresário e dirigimos nossa admiração em cima da morena. Vai ser boa assim lá em casa, disse o filósofo (acho que ela ouviu). Quer saber? É melhor viver do que existir. Um abraço cordial e até a próxima. Ah, aquela morena... Paulo Pires
(*) Professor UESB-FAINOR.

Um comentário:

AFRANIO GARCEZ disse...

Meu Caro Mestre Paulo Pires. A sua crônica sintetiza a lógica do que é saber viver, com sabedoria, integridade, e principalmente, sem a ganância que a tantos tem causados tanto mal. É sempre uma lição para os seus discipulos como eu, lê-lo, pois apredemos mais e mais, inda mais, com a presença do filóso Cansadinho ao seu lado. Abraços Mestre. Afranio Garcez