Duas festas
Já que é tempo perdido falar de coisas sérias nesse mundão de Deus, prossigamos, pois, com bestagens como queria o mestre Darci Ribeiro. Falemos então de bestagens. Muita bestagem! Semana passada, por exemplo, Hebe Camargo completou oitenta anos (dizem as más línguas que é muito mais) e sua amiga Lucinha Diniz (uma das herdeiras do Pão de Açúcar) fez uma comemoração para louvar a coroa mais sapeca do Brasil. Foi uma festa de arromba. Claro, que eu não estava lá (sou vitima de muitas ingratidões), mas tudo bem. Comprei a Revista Caras e apreciei com curiosidade as fotos do evento. A fina flor da sociedade paulista estava presente (menos eu, claro!). De quebra, apareceu por lá o cantor espanhol Julio Iglesias junto com o Roberto Carlos. Foi o maior barato. Muita peruagem, puxa-saquismo, salamaleques, rapapés e outras cositas más. Algumas fotos me convenceram de que foi melhor eu não ter ido. Mas trata-se de um acontecimento a que a maioria das pessoas desejava ter ido. Principalmente aquela burguesia da paulicéia desvairada sabiamente criticada por um dos filhos mais ilustres da cidade, o poeta Mário de Andrade.
Achei melhor ficar aqui. Aquele ambiente para mim é sufocante. Um bom conselho diz que não devemos ficar nem muito perto nem muito longe dos poderosos. Foi o que fiz. Preferi ir a outra festa: Na casa do meu amigo Cansadinho. Aquilo sim é que é festa. As pessoas são originais, não usam dissimulações, falam o que pensam, bebem de tudo, comem de tudo, não sentem azia, má digestão e outras indisposições. Sobre a mesa havia pelo menos uns dez frangos desfiados. Na cozinha, um panelão enorme de buchada, outro de sarapatel e outro, o maior de todos, de feijoada. Avisou o dono da festa que a feijoada era para o dia seguinte.
Refrigerante tinha prá dar no meio da canela. De laranja, de cola, limão, uva e o escambau. Pinga, havia pelo menos uns cinco garrafões. Cerveja ele ajeitou três freezer e entupiu os bichos de cerveja. Uma hora íamos à pinga, outra na cerveja e às vezes nas duas ao mesmo tempo. Todo mundo conversando animadamente com pedaços de frango na boca. Uma beleza a nossa educação. Curioso é que apesar de muita gente, todo mundo parecia se conhecer, embora não houvesse ninguém famoso como na festa de Hebe. A burguesia costuma dizer que alegria de pobre dura pouco. É mentira! Alegria de pobre dura muito, principalmente quando ele não está doente. Pobre só fica triste quando está ruim de saúde. Aí ele apela: “Tô lascado, sem dinheiro, sem medico...”. Fora isso pobre só anda alegre. Trabalho o dia todo, chega em casa, toma um banho, olha pra patroa (que também tá alegre), dá uma zoiada na companheira e depois da novela dão uma furunfada que ninguém é de ferro. Eita vida boa a de pobre! Em seu espírito convive a certeza de que da situação em que se encontra jamais vai piorar. Então se sente confortado. Os meninos tão na Escola, a geladeira tá cheia e a dispensa também. Tá tudo bem, graças a Deus.
Mas a festa de Cansadinho estava a todo vapor. Muita moça bonita e a rapaziada com o olho grudado nelas. E tome-lhe cachaça e tome-lhe comida. Risadas, muitas risadas. Tinhas uns cabôco meio banguelas ou totalmente banguelos, mas isso não era motivo para reprimir os seus risos. Pobre ri com o coração, com a alma. Rico é que ri com os dentes, com a boca. O sorriso do rico é um trovão que sai da garganta para atravessar os salões. O riso do pobre é engraçado. Sai de lá do fundo, atravessa a casa e volta para ver como está a mesa, onde estão comidas e bebidas. Quando observa que ainda tem muita coisa prá beber e comer, o seu riso continua zoando dentro da sala.
Como não sou famoso, poucas pessoas me cumprimentaram. Procurei um lugar estratégico (perto das bebidas e das comidas, claro!) e dali não arredei pé. Todo mundo que queria beber e comer, tinha necessariamente que me ver. Cá prá nós, tinha uns camaradas que não eram nada econômicos no consumo. Vão comer e beber assim no inferno! Mas que havia comido e bebida prá sobrar, isso havia. Aliás, acabou sobrando muita comida e muita bebida, apesar de todo mundo ficar satisfeito. Confesso que alguns bêbados não suportavam a idéia de serem levados para casa pelas respectivas patroas. Principalmente aqueles que notavam que havia muita coisa para ser digerida e ingerida. Saiam da festa indignados e gritando: Ainda é cedo mulher! Como havia muito de beber e comer, eles mesmos achavam que “era muito cedo”, para serem levados embora.
Lá na casa de Lucinha Diniz, tudo muito organizado, garçons, maitres, serviçais, mordomos. Mas era na casa de Cansadinho que a coisa tava gostosa. Tudo sem desfaçatez, ironia ou inveja. A certa altura, comecei também a ficar chumbado e achei melhor dar o fora. Peguei um táxi e cheguei ao Bem Querer com a pança cheia. De cana, de comida e de alegria. Aquilo sim, foi uma festa bacana. Meu presente para o aniversariante? Uma caixa de sabonete Phebo. Ao recebê-la disse a frase mais original de alguém quando recebe um presente “não precisava se preocupar, não!”. Me lembrei disso e sorri. Ô festa boa! A do Cansadinho. A da Hebe, diz a Revista Caras, foi espetacular. Só que eu não estava lá. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires - Professor UESB-FAINOR.
Já que é tempo perdido falar de coisas sérias nesse mundão de Deus, prossigamos, pois, com bestagens como queria o mestre Darci Ribeiro. Falemos então de bestagens. Muita bestagem! Semana passada, por exemplo, Hebe Camargo completou oitenta anos (dizem as más línguas que é muito mais) e sua amiga Lucinha Diniz (uma das herdeiras do Pão de Açúcar) fez uma comemoração para louvar a coroa mais sapeca do Brasil. Foi uma festa de arromba. Claro, que eu não estava lá (sou vitima de muitas ingratidões), mas tudo bem. Comprei a Revista Caras e apreciei com curiosidade as fotos do evento. A fina flor da sociedade paulista estava presente (menos eu, claro!). De quebra, apareceu por lá o cantor espanhol Julio Iglesias junto com o Roberto Carlos. Foi o maior barato. Muita peruagem, puxa-saquismo, salamaleques, rapapés e outras cositas más. Algumas fotos me convenceram de que foi melhor eu não ter ido. Mas trata-se de um acontecimento a que a maioria das pessoas desejava ter ido. Principalmente aquela burguesia da paulicéia desvairada sabiamente criticada por um dos filhos mais ilustres da cidade, o poeta Mário de Andrade.
Achei melhor ficar aqui. Aquele ambiente para mim é sufocante. Um bom conselho diz que não devemos ficar nem muito perto nem muito longe dos poderosos. Foi o que fiz. Preferi ir a outra festa: Na casa do meu amigo Cansadinho. Aquilo sim é que é festa. As pessoas são originais, não usam dissimulações, falam o que pensam, bebem de tudo, comem de tudo, não sentem azia, má digestão e outras indisposições. Sobre a mesa havia pelo menos uns dez frangos desfiados. Na cozinha, um panelão enorme de buchada, outro de sarapatel e outro, o maior de todos, de feijoada. Avisou o dono da festa que a feijoada era para o dia seguinte.
Refrigerante tinha prá dar no meio da canela. De laranja, de cola, limão, uva e o escambau. Pinga, havia pelo menos uns cinco garrafões. Cerveja ele ajeitou três freezer e entupiu os bichos de cerveja. Uma hora íamos à pinga, outra na cerveja e às vezes nas duas ao mesmo tempo. Todo mundo conversando animadamente com pedaços de frango na boca. Uma beleza a nossa educação. Curioso é que apesar de muita gente, todo mundo parecia se conhecer, embora não houvesse ninguém famoso como na festa de Hebe. A burguesia costuma dizer que alegria de pobre dura pouco. É mentira! Alegria de pobre dura muito, principalmente quando ele não está doente. Pobre só fica triste quando está ruim de saúde. Aí ele apela: “Tô lascado, sem dinheiro, sem medico...”. Fora isso pobre só anda alegre. Trabalho o dia todo, chega em casa, toma um banho, olha pra patroa (que também tá alegre), dá uma zoiada na companheira e depois da novela dão uma furunfada que ninguém é de ferro. Eita vida boa a de pobre! Em seu espírito convive a certeza de que da situação em que se encontra jamais vai piorar. Então se sente confortado. Os meninos tão na Escola, a geladeira tá cheia e a dispensa também. Tá tudo bem, graças a Deus.
Mas a festa de Cansadinho estava a todo vapor. Muita moça bonita e a rapaziada com o olho grudado nelas. E tome-lhe cachaça e tome-lhe comida. Risadas, muitas risadas. Tinhas uns cabôco meio banguelas ou totalmente banguelos, mas isso não era motivo para reprimir os seus risos. Pobre ri com o coração, com a alma. Rico é que ri com os dentes, com a boca. O sorriso do rico é um trovão que sai da garganta para atravessar os salões. O riso do pobre é engraçado. Sai de lá do fundo, atravessa a casa e volta para ver como está a mesa, onde estão comidas e bebidas. Quando observa que ainda tem muita coisa prá beber e comer, o seu riso continua zoando dentro da sala.
Como não sou famoso, poucas pessoas me cumprimentaram. Procurei um lugar estratégico (perto das bebidas e das comidas, claro!) e dali não arredei pé. Todo mundo que queria beber e comer, tinha necessariamente que me ver. Cá prá nós, tinha uns camaradas que não eram nada econômicos no consumo. Vão comer e beber assim no inferno! Mas que havia comido e bebida prá sobrar, isso havia. Aliás, acabou sobrando muita comida e muita bebida, apesar de todo mundo ficar satisfeito. Confesso que alguns bêbados não suportavam a idéia de serem levados para casa pelas respectivas patroas. Principalmente aqueles que notavam que havia muita coisa para ser digerida e ingerida. Saiam da festa indignados e gritando: Ainda é cedo mulher! Como havia muito de beber e comer, eles mesmos achavam que “era muito cedo”, para serem levados embora.
Lá na casa de Lucinha Diniz, tudo muito organizado, garçons, maitres, serviçais, mordomos. Mas era na casa de Cansadinho que a coisa tava gostosa. Tudo sem desfaçatez, ironia ou inveja. A certa altura, comecei também a ficar chumbado e achei melhor dar o fora. Peguei um táxi e cheguei ao Bem Querer com a pança cheia. De cana, de comida e de alegria. Aquilo sim, foi uma festa bacana. Meu presente para o aniversariante? Uma caixa de sabonete Phebo. Ao recebê-la disse a frase mais original de alguém quando recebe um presente “não precisava se preocupar, não!”. Me lembrei disso e sorri. Ô festa boa! A do Cansadinho. A da Hebe, diz a Revista Caras, foi espetacular. Só que eu não estava lá. Um abraço cordial e até a próxima.
Paulo Pires - Professor UESB-FAINOR.
Um comentário:
muito boa essa prosa do paulo
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