sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Raros exemplos


Ser pobre, passar necessidade ou trabalhar em uma atividade que pareça menos reconhecida ou ter baixa remuneração, não é condição para que não haja conquistas, tampouco motivo para se enveredar por caminhos desonestos. Eu creio que todas as realizações são frutos do esforço e da determinação, e, acima de tudo, de uma educação digna: saber distinguir o melhor do pior, ser capaz de observar e argumentar o melhor legado que a família (quando presente) e a escola podem dar, já que a escola também faz o papel de educador “substituindo” os pais. Sem a escola o indivíduo não tem o retorno intelectual, moral e a decência financeira desejada. A ausência de um ideal e a falta de um objetivo, o homem passa a ser uma bússola sem rumo. Portanto, vejo a educação formal como o único caminho para que se possa viver com dignidade; sendo a instrução o melhor investimento que os pais devem dar para os filhos em uma sociedade competitiva.

Não têm sido raros os exemplos de pessoas que saem do anonimato para ganhar notoriedade. Em novembro passado um rapaz que vivia nas ruas de Brasília, o Alex Costa Santos, de 21 anos, foi aprovado no vestibular, no curso de Psicologia da Universidade Católica da Capital Federal. Ontem os jornais noticiaram outro morador de rua, o Geovan de Sousa Araújo, de 38 anos, que também passou no curso de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, inclusive foi impedido de efetuar a matrícula nesta terça-feira (3), por falta de um documento, mas felizmente o problema foi contornado.
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Enquanto, o Juscelino Sousa, da sucursal de Conquista do jornal A Tarde fez uma matéria que saiu na secção interior do Primeiro Caderno, segunda-feira, 2; também foi veiculada no blog do Anderson a mesma notícia que diz respeito ao gari Rodrigo Lima de Oliveira, 30 anos, servidor da Prefeitura de nossa cidade, que praticamente sozinho adquiriu o conhecimento necessário para falar a língua inglesa fluentemente. O professor de inglês Rui Albuquerque, disse ter ficado surpreso com o nível de conhecimento do rapaz, classificando-o como nível 5.
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Outro marcante é o trabalho com resultados expressivos e que está recebendo elogios e o reconhecimento da sociedade, o que vem fazendo o Alex Pereira Barbosa, – um dos mais atuantes fundadores da ONG Central Única das Favelas, CUFA, que através do conceito do movimento hip-hop, desenvolve projetos sociais e culturais nas comunidades carentes. Ao invés de adotar a tradicional alcunha de ‘MC’, colocou antes do seu nome artístico a sigla ‘MV’, de Mensageiro da Verdade. O MV Bill, além de famoso, foi eleito pela UNESCO, em 2003, como um dos rappers mais politizados da última década, já em 2004 foi tido como o destaque do ano pelo trabalho na área de desenvolvimento social junto à juventude. Com estilo de protesto beirando a rebeldia, as letras de suas músicas são encantadoras; o cantor de rap MV Bill se destaca também pelo sucesso dos livros “Cabeça de Porco” e “Falcão: Meninos do Trafico”.

Como se vê, o lado ativista e social dos rappers é conduzido, também, com responsabilidade e brilho. Fazendo um retrospecto histórico, o escritor Aluisio Azevedo (1857-1913) menciona o vocábulo “cabeça-de-gato” em seu livro “O Cortiço”, publicado em 1890, século XIX; portanto os termos “cabeça-de-gato e cabeça-de-porco” são análogos; tendo assim, raízes comum. Nos dias atuais, cabeça-de-porco passou a ser uma expressão que indica, na gíria das favelas cariocas, situações confusas e sem saída. Observa-se, porém, que o significado dos termos pouco evoluiu com o tempo.
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Mas o que estimulou MV Bill e seus parceiros a escreverem o livro e fazer o documentário foi a possibilidade de encontrar outras realidades, outros becos, outros morros e outras bocas de fumo, a poucos quilômetros da cidade maravilhosa que anda tão fragmentada, depreciada e usada como modelo de violências. Os autores Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares, que ao escrever o livro “Cabeça de Porco”, mergulharam no diálogo com os excluídos dos morros para poder dar mais consistência à obra. Os três conheciam muito bem onde estavam pisando, pois o convívio diário nas favelas, especificamente o MV Bill e Celso Athayde, um nascido na Cidade de Deus e o outro na Favela do Sapo, enquanto o Luiz Eduardo Soares que é cientista social e antropólogo é de Nova Friburgo-RJ, dando, assim, maior credibilidade à obra.
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O trabalho de pessoas como o de MV Bill e Luiz Eduardo Soares leva-nos a refletir que julgamentos precipitados não nos levam a lugar nenhum. Pessoas sensatas não se deixam levar pelas aparências; buscam, antes de tudo, informações mais amiúde sobre certas idéias ou assuntos, analisam ângulos e pormenores, depois de ficarem absolutamente convencidas, formam suas opiniões. A intenção do livro “Cabeça de Porco” não é denunciar, mas sim compartilhar experiências, preocupações e reflexões, trilhar novos caminhos, novas perspectivas e manter viva a esperança.
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Exemplos como estes abrem nossas mentes para caminhos que não enxergamos ou não queremos ver, fazendo-nos refletir sobre a força de vontade e a capacidade de superação do ser humano; ainda dá alento e encoraja a quem se sente incapaz ou desanimado, propenso até desistir dos sonhos, ou imagina que a vida não permite oportunidades.



5 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional Ezequiel, que delica de crônica, tenho certeza que despertará consciência na juventude que prefere atingir professores do que se dedicar profundamente aos estudos e fazer parte de um mundo melhor, pois acredito que Deus dá oportunidades a todos, basta pra isso abraçar com vontade, determinação a causa, a educação é e vai ser sempre a porta de entrada para um mundo melhor.

Anônimo disse...

Como sempre você traz os assuntos a nossa reflexão. Otima crônica, admiro o trabalho de MV Bil pois nos jovens precisamos disso. Meus parabéns pela beleza da sua cronica.
André Matheus

Anônimo disse...

Ezequiel, grande escritor. Fez valer cada segundo que parei para ler este brilhante artigo postado no Blog do Anderson. Parabéns.

Anônimo disse...

Segundo soube, o colunista Ezequiel vai entrar de férias, acredito que a partir do dia 10 de fevereiro.

Desejo-lhe portanto boas férias e que, ao retornar, nos traga suas impressões de viagem (obviamente voltará com a memória melhor que antes e muitas novidades), pois seus artigos são bons e prazerosos. Sua ausência fará falta. Ainda que breve.

Boa viagem, abraço amigo.

J.P.Camillo Neri

Anônimo disse...

Grande sujeito e colunista de primeira, embora ele não goste disso, mas temos que valorizar a prata de casa. Esta coluna está demais, ele deu um toque todo especial no tema da segurança e violência e trouxe a nossa reflexão os dessabores do cotidiano. Bjs Ester fonseca sua colega do BB, hoje moro em Salvador, porém não esqueço da melhor ciade do mundo - Vitória da Conquista