quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sociedade e violência

Por Paulo Ludovico
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Vivemos em tempos difíceis. A violência atinge, em todos os cantos, números que assustam. Nas grandes cidades chega-se a dizer que o cidadão sai de casa, mas não sabe se volta. Violência nas relações, violência na família, violência no trânsito, violência no futebol. O que se percebe é que as redes sociais (conjunto de pessoas que vivem em torno de um mesmo objetivo) estão, paulatinamente, se esgarçando. A crise de valores é flagrante Todos nós já perdemos a noção do que é certo ou errado.

Outro dia, numa determinada rádio carioca, uma modelo brasileira, que desfila para uma agência na Itália, era questionada sobre um assalto que acabara de sofrer em companhia de uns colegas italianos. Perguntada como fora o assalto? Se houvera agressões? Ela respondera, mais ou menos assim: “Não houve qualquer tipo de agressão, os ladrões só levaram bolsas e celulares. Foi um assalto normal”. Pasme, ela disse: “só levaram bolsas e celulares”. O cidadão ser privado de sua propriedade passou a ser um caso banal, “só levaram isso” ou “só levaram aquilo”. E ainda, “foi um assalto normal”, ou seja, já é lugar comum entre as pessoas que o normal é ser assaltado. Não ser assaltado é motivo de comemoração, é quase como um acertar na loteria.
A violência urbana nos grandes centros populacionais chega a números mais assustadores do que os de países que vivem em guerra. De posse desses números, um comentarista e apresentador de telejornal (Alexandre Garcia) disse que “é mais perigoso ser cidadão no Rio de Janeiro do que ser soldado americano no Iraque”. O pior é que o próprio sistema contribui para a formação do delinqüente, do agente da violência. No moderno Direito Penal, chama-se a esse fenômeno de: co-participação da sociedade, na formação do indivíduo delinqüente. Tentarei explicar.
Para muitos brasileiros, o final do mês representa receber um salário que mal dá para pagar aquela “nota” pendurada na venda, além de acabar no dia seguinte. É como dizem: “acaba salário e sobra mês”. Certo trabalhador, na tranqüilidade (será?) de seu lar, depois de um dia de trabalho e nos intervalos da novela das oito, é estimulado por comerciais de cervejas, de carros espetaculares ou de promoções em supermercados. São mulheres, com belíssimas pernas de fora, tênis que chegam a custar cinco meses de trabalho. Produtos que estimulam a vontade de todos. De quem pode e de quem não pode comprá-los. O “coitado” nunca (nunca, mesmo) vai ter em seus braços uma mulher daquelas (só se for debaixo da mira de uma arma), o carro do comercial, esse, nem pensar, muito menos aquele tênis, que custa os olhos da cara. Daí, a única maneira de ter um produto desses é com o uso da força. De posse de um revolver ou de uma faca, volta pra casa, tendo satisfeito todos ou quase todos aqueles desejos, estimulados pelos reclames do mercado de consumo. Da primeira vez, ao hábito, é um pulo. Até que um dia, é agarrado pelo sistema penal, que decide: CONDENADO. Sanção? A pena privativa de liberdade (prisão). Na realidade, além da prisão, o condenado do sistema penal brasileiro sofre a restrição a vários princípios fundamentais (portanto, constitucionais) e, entre eles, o desrespeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. De cara, deixa de ter personalidade própria e passa a ser reconhecido por um número, em substituição ao nome (na criminologia, o fenômeno é chamado de despersonalização), lá dentro, é obrigado a se dirigir às autoridades com as mãos pra trás e com a cabeça baixa (atitude de subserviência). Além de tudo isso, é jogado para conviver com mais vinte ou trinta pessoas, num local onde só cabem, no máximo, seis. Segundo dados apurados pela justiça em Vitória da Conquista, o Desep tem uma carceragem que suporta, no máximo, 16 pessoas, no entanto, lá hoje encontram-se presos perto de 100 pessoas. Li, não me lembro onde, que em uma determinada casa de detenção brasileira, a cela estava tão superlotada que os presos não poderiam dormir todos ao mesmo tempo, posto não caber todos deitados. Para que um grupo dormisse, o outro teria que ficar de pé. Uma das finalidades da pena é a ressocialização do condenado. Como o indivíduo, depois de cumprir dez anos de pena e sendo submetido a humilhações como essas, pode sair “ressocializado”? Admitamos que saia. Com o terrível rótulo de EX-CONDENADO, quem daria oportunidade para que ele trabalhasse? Você, leitor, daria emprego a um ex-condenado da justiça, que cumpriu pena por assalto à mão armada e que, agora, em tese, segundo o Estado, está ressocializado? Não acredito que algum herói responda sim. Sem emprego, portanto sem ter como sustentar a si e à própria família, outro não será o caminho, senão o de voltar a delinqüir. Dessa maneira, entendo ser a própria sociedade atuando na formação de “seu delinqüente” e mais, não admitindo que ele saia desse submundo. Segundo dados estatísticos, cerca de 70% dos que saem, depois de cumprida a pena, retornam à prisão.
Nos EEUU, mais precisamente, na cidade de Nova Iorque, recentemente, os índices de violência recuaram, depois da implantação do sistema Lei e Ordem, ou seja, “tolerância zero”, amparado por um Direito Penal Máximo. Só que, esquecem de dizer que, aliadas à nova política de repressão ao crime, foram adotadas mediadas sociais que também contribuíram para a queda na violência urbana.
Não é com a pura criação de leis no âmbito penal, criminalizando tudo, que se combate a violência. O máximo que se consegue com isso é superlotar as unidades prisionais, tornando ainda mais caótico, o nosso sistema penitenciário. Talvez, o primeiro passo para a solução esteja em descriminalizar condutas, aliviando assim o sistema carcerário, deixando que outros ramos do Direito atuem naquelas condutas de menor potencial ofensivo (crimes de menor porte). O Direito Penal funcionando apenas como “ultima racio”, em última razão, de maneira subsidiária.
Na realidade, deveríamos mudar nossas políticas sociais, com a oferta de empregos, maiores investimentos na educação, na saúde e no lazer, com a conseqüente melhoria da qualidade de vida, e, principalmente, com o Estado atuando de forma taxativa no que se refere ao controle de seus próprios gastos e no efetivo combate à corrupção.
Talvez assim possamos enxergar uma luz no final desse escuro túnel.

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