quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Artistas sem teto buscam lugar ao sol

Juscelino Souza
Do A Tarde
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Um vendeu a casa para realizar o sonho de gravar um CD e “estourar” país afora. O outro, que sequer casa possuía, mas com o mesmo propósito, deixou a família para trás e seguiu pelas estradas da Bahia até chegar a São Paulo, onde o primeiro já estava.
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Unidos pelo mesmo ideal, mas sem nenhum contato entre si, o engraxate Paulo Sérgio dos Santos, ou “Paulo Faísca” e o ex-operador de máquinas Aroldo Marques Pereira, o “Aroldo Rastafari” não conhecem a palavra desistir. Não mediram esforços e, apesar de distante da fama, são considerados dois exemplos de perseverança.


Há mais tempo no mundo artístico, o conquistense Aroldo Rastafari, 41 anos, hoje divide o mesmo quarto com a mãe, que o-acolheu após voltar de São Paulo há 12, sem CD e sem dinheiro. “Não desisto jamais”, sustenta o cantor e compositor, que diz ter catalogada mais de 280 músicas e 46 gravadas.
Para deixar sua voz gravada em uma obra original, longe da pirataria, Aroldo não pensou duas vezes. Vendeu por R$5,5 mil a casa onde morava, no bairro Patagônia, e entrou no estúdio em São Paulo. “Gastei R$5 mil logo de vez e nem assim consegui finalizar o CD. O dinheiro acabou e hoje estou sem casa”, lembra.
“Foi aí que comecei a viver as maiores dificuldades em busca do meu objetivo. Começaram as críticas e toda vez que eu chegava em casa minha família dizia que eu era vagabundo, que não trazia nada pra comer e que esse negócio de música não dava futuro”, recorda.
Sem demonstrar qualquer remorso ou arrependimento, ele conta que reuniu a grana de alguns shows que fez em barzinhos, pediu ajuda da própria família e gravou um CD “genérico” em Conquista. “Vendi uns 25 mil CDs no País inteiro”, garante, afirmando que os amigos e a família ajudaram a distribuir o material.
O dinheiro arrecadado foi aplicado em outro CD, o que ele chama de volume três, com 13 músicas inéditas, incluindo “Cidade do amor”, apresentada no SBT em São Paulo e “forró do Viagra” e “vou morar no cabaré”, gravadas pelas principais bandas de forró da Bahia, Pernambuco e Ceará.
“A música que mostrei na TV fala da minha terra-natal, onde jamais consegui fazer um grande show, mas um dia eu chego lá. Vou alugar o melhor espaço daqui e vender 50 mil cópias”, sonha. “Aí vou comprar de volta a casa que um dia vendi e ajudar minha mãe”.
O aluguel da casa de shows para um final de semana é de R$5 mil, quase o valor da casa há 20 anos, mas parece não ser empecilho para Aroldo. “Isso é pouco para quem já viajou em pau-de-arara e carroça puxada por animal”, garante. “Vou juntando um pouquinho, outro ali, os amigos ajudam e vou perdendo noites nos bares da vida até levantar a grana”, finaliza.
ASSALTO – “Muito prazer, sou Paulo Faísca, conterrâneo de Waldick Soriano”. Este é o cartão e visitas do cantor e instrumentista, Paulo Sérgio dos Santos, 35 anos, nascido no distrito de Brejinhos das Ametistas, região de Caetité, sudoeste baiano.
Da mesma terra onde um dia saiu o ícone da música brega, autor de “Eu não sou cachorro, não”, Paulo Faísca guarda semelhanças com o conterrâneo ilustre, exceto pela ausência de fama. “Vou ser famoso também. Pode me cobrar um dia”, pontua.
Assim como Waldick Soriano, antes de ingressar na carreira artística, Faísca foi lavrador, engraxate e garimpeiro. Apesar das dificuldades, o filho famoso de Brejinho das Ametistas conseguiu se tornar conhecido nos anos 50 com a música "Quem és tu?".
Faísca ainda não tem um sucesso nas paradas, mas seu jeito folclórico já lhe garantiu aparições em emissoras de rádio, TV e livre trânsito nas redações de jornais da Bahia e Norte de Minas Gerais. “Quando eu falo que sou da terra de Waldick todo mundo fica curioso”, relata. “Aí eu aproveito pra divulgar meu CD, “Arte na Rua”.
Sem residência fixa e vivendo de cidade em cidade, viajando por todo o Brasil, tirando o seu sustento da música, logo ficou conhecido como o cantor peregrino. O som é extraído de latas, vidros, garrafas, buzina de bicicleta, manilhas, copos e tudo mais que estiver ao alcance.
Cabelos trançados, com miçangas se destacando e adereços artesanais no pescoço, costuma definir seu estilo musical como psicodélico experimental. Quem duvida, basta conferir as músicas, que chama a atenção mais pelo nome que pelo ritmo descompassado.
O álbum, cuja capa é uma folha de papel sulfite dobrada, com fotografia em preto e branco e relação das músicas escrita à mão, reúne 23 faixas. Dentre elas, “Bicota”, “Dança do Chimango”, “Bolacha de Nata”, “Lambendo Antibiótico” e “Sangue Pisado”.
Jogado pelo mundo desde os 16 anos de idade, como faz questão de frisar, ele afirma que já percorreu mais de três mil cidades brasileiras em 19 anos de andanças. “Já fiz apresentações em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia”.
A carreira musical começou por acaso. “Eu era assistente de iluminação de palcos e acompanhava algumas bandas. Como tinha muita gente que cantava mal, mas fazia sucesso, resolvi apostar em mim, mas ainda não deu certo. Mesmo assim já tomei gosto e me dediquei a compor minhas próprias canções”, explicou.
Segundo ele, além de show em palcos de carnaval, teatro e bares, já se apresentou em lugares no mínimo “exóticos” para o estilo a que se propõe. “Fui aplaudido em asilos, hospitais e feiras hippies”, sorri.
Apesar de não possuir residência fixa, Paulo Faísca possui um telefone para contato, que, segundo ele, é de uma fã, que sempre anota os recados. “Quem quiser conhecer meu trabalho pode ligar pra 11 3975-5332 e se comprar o CD ganha um autógrafo”, antecipa.


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