terça-feira, 10 de junho de 2008

Não temos penitenciária: temos parque de diversões


A administração do sistema prisional é co-responsável pela consolidação do crime organizado nas prisões baianas, pensa o promotor de Justiça Paulo Gomes Júnior, do combate ao crime organizado, pelo Ministério Público.

Gomes atuou no desmanche da quadrilha do traficante Genilson Lino da Silva, o Perna, há seis dias. “Temos raposas tomando conta de galinhas, galinhas de ovos de ouro para muitos”, disse em entrevista ao repórter DEODATO ALCÂNTARA. Gomes revelou que deve chegar a R$ 4 milhões o montante bloqueado nas contas bancárias de Perna.



A TARDE Quando começaram as investigações aos comandos criminosos da Penitenciária Lemos Brito, cujo resultado concreto, até agora, foi a desarticulação do comando de Perna ? PAULO GOMES Logo após denúncia de vocês, em 2006, (matéria Presos no comando da Lemos Brito, de A TARDE, de 15 de março de 2006), o procurador-geral (Lidivaldo Britto) designou a apuração ao Núcleo de Investigações Criminais do MP e nós, do Gaeco (combate ao crime organizado) iniciamos o trabalho. Seis meses depois, veio outra matéria sobre a vila de casas construídas para presos de regime fechado na penitenciária. Já havia irregularidades nos pavilhões, como presos com mercadinhos, vendendo até mesmo produtos proibidos, tráfico de drogas, exploração da massa carcerária com aluguel de celas, televisores, filmes, celulares. Fizemos inspeção no Complexo e vimos que elas procediam também em relação às casas.

Naquela ocasião, tomamos diversos depoimentos, de 32 a 35 pessoas, presos da PLB, parentes dos detentos e de outras pessoas que interagiam com eles diariamente.

Diria que não temos penitenciárias, mas parque de diversões.

AT O que faltava, então? P.G. Precisávamossaber por que casas foram construídas, por que alguns presos tinham tantas regalias, com a conivência da direção do sistema. Quais os critérios para a concessão de mordomias que davam poder a tais presos? A quem interessava a liberalidade nas prisões, além do preso? E, havendo corrupção, quem se beneficiou?

AT Além de mordomias, como TVs de 20 polegadas ou mais, DVDs, bebida alcoólica, cela individual com mezanino e geladeira duplex, o que o MP descobriu ? P.G. Que os presos mais fracos e parentes sofriam agressões várias e eram oprimidos pelos comandos na PLB, onde Perna era o chefão.

No Presídio de Salvador, onde quem manda é a Comissão de Paz, que era liderada por Piti (Éberson Santos, que fugiu em junho de 2007, para não ser transferido à PLB, onde ficaria à mercê de Perna e foi morto pela polícia, em agosto do mesmo ano). Também tivemos provas de que presos de regime fechado na unidade ficavam finais de semana inteiros nas ruas. Um deles tinha até casa alugada em Arembepe (orla de Camaçari, Grande Salvador).

AT Então, havia motivos para intervenção nas prisões! E aí ? P.G. No final de 2006, estávamos diante de uma situação lamentável, com uma administração prisional conivente, omissa e, ao nosso ver, corrupta. E esse esquema de corrupção e prevaricação está sendo provado. O MP requereu e doutor Rilton Góis (juiz) expediu mandados de busca e apreensão. Precisávamos acautelar provas para poder transferir presos. Mas, aí, não sei se por contra-ordem do governador que estava saindo (Paulo Souto, DEM), o que sei é que a tropa policial não foi apresentada para cumprir a decisão judicial, e como temos poucos policiais a nosso serviço, só interditamos as casas no Complexo.

AT Comapreensões ou flagrantes de crimes, na PLB e Presídio, em 2006, e a transferência de xerifes das prisões, o Estado teria evitado tantas mortes na guerra entre Perna e Piti, que acumularam poder nesses dois anos? P.G. Por certo não haveria tantas mortes como têm acontecido de 2007 até aqui, resultado das disputas na região metropolitana.

AT Emquepéestáasituaçãodas quase cem casas construídas ilegalmente dentro do Complexo? P.G. Os procedimentos foram encaminhados ao Gepam (Grupo do MP que atua na moralidade administrativa), para investigação aos prováveis atos de improbidade.

Creio que o caso está bem próximo de ser concluído. Os responsáveis, mesmo que não estejam mais nos cargos, serão punidos por seus atos anteriores. Aí, haverá direcionamento às construções. A meu ver, deveriam ser demolidas.

AT A SSP credita à operaçãoBig Bang investigação de seis meses.

Como se deu o direcionamento do trabalho? P.G. Desde 2006, Perna já surgia como o maior líder criminoso na Penitenciária, com testas-de-ferro nos pavilhões. Mas, como eu já disse, não tivemos apoio do Estado para a varredura necessária nas prisões. Veio 2007, a mudança de governo e grande apoio da Superintendência de Inteligência da SSP nas investigações. Fomos evoluindo, mas sabíamos da necessidade de algo chamado vontade política para a intervenção no sistema prisional, senão enfrentaríamos novo vexame, como o do final de 2006. Houve alguns diálogos com a Secretaria da Justiça, até que surgiu algo muito importante: indícios fortes de envolvimento da organização de Perna no assalto a um carro-forte, em dezembro. Tínhamos a investigação de dentro para fora, e o delegado. Nilton Tormes descobriu um linkde fora para dentro, em interceptações telefônicas na investigação ao assalto.

Tínhamos a prova do comando de Perna em crime externo. Unimos todas as investigações em esforços das polícia Civil e Militar, do MP, e tivemos o apoio do Judiciário quando pedimos. Daí, o alvo principal tornou-se Perna, até chegarmos aos mandados que cumprimos na semana passada.
Confira a entrevista

AT Com a morte de Piti e a retirada de Perna para outro Estado, o crime organizado foi aniquilado nas prisões? P.G. Foi importante a retirada de Perna, pois havia articulação nas prisões, com conivência da administração prisional, para transformálo em líder único da massa carcerária, com sua rede agindo externamente.

As ordens dadas por ele e as execuções dessas ordens traziam muita semelhança com o modo de agir dos comandos criminosos do Rio e São Paulo. Então, foi muito importante a retirada dele da PLB. Tenho certeza que, em Catanduvas, ficará quase impossível que ele comande uma organização aqui. Mas, ficaram os soldados e asseclas dele e, se não dermos continuidade às investigações e repressão, logo alguém assume o controle da situação e reorganiza a quadrilha. Piti, por exemplo, já tem sucessores se fortalecendo no Presídio de Salvador.

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